sábado, 27 de março de 2010

Lá fora tudo noite, tudo são minutos de alegria e aqui dentro estamos apenas o que sobramos de nós e de nossos sonhos mais velhos.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Estudos

"(...) Um sonhador, se é necessária uma definição detalhada, não é um homem, mas sabe, uma criatura de gênero neutro. Na maioria das vezes ele habita um recanto inacessível como se quisesse enconder-se até da luz do dia, e uma vez que se recolhe à sua casa, gruda-se em seu canto como um caracol; ou pelo menos nesse aspecto se parece com aquele animal interessante, que é animal e casa ao mesmo tempo e que se chama tartaruga(...)"



E certo momento você para e surpreende-se na madrugada e que está ainda acordada por outros motivos que levam a lugares novos. E que a solidão nada mais é que a sombra da sua silhueta na parede, que você admira como se fosse sua melhor e mais velha amiga. E você não está triste por isso. Percebe que a saudade peregrina com você para qualquer lugar que vá. A vida pinga nas gotas finas da garoa suave como as lágrimas escassas que tens derramado nos últimos tempos. São as dores da vida que se moldam entre agulhas e facas em meu corpo num espaço de tempo que só cabe a mim, e a Malone, ocupar.

E nem o mar, nem o céu, nem mesmo as velhas lembranças valem mais do que o precioso dia de hoje. A luz daquele tempo que fundia meus olhos nos do menino, tão jovens quanto a última porta do sonho de Malone, justo aquela que ele jamais poderia abrir sem um grau de dificuldade, consumiu-se enfim.


Eu vejo Malone com o mesmo traje cobrindo seu corpo. Há algo em seu olhar que está brilhando. Ele observa os homens e os vê desinteressantes. Em pé, ele acompanha os dias e me questiona quanto é necessário para se viver. Disse-me que sua memória o limitava a ponto de ele não conseguir compreender o significado de sentidos básicos como a fome, a sede, o frio ou o calor. Em todo seu mistério falava ao mundo como se realmente vivesse dentro dele.

O estado em que se encontrava era de dúvida. Sabia que talvez aqueles acontecimentos apenas o houvessem fortalecido e que não haviam sido o fim de tudo. Mas ele ainda ressentia o passado e receava o futuro, o único futuro que poderia amar e que temia já amar muito mais do que ele saberia suportar. Saber que cada vez mais ele já estava vivo o despertava para sensações que ainda não se sentia pronto.


Era difícil sair dali de dentro. As cores da rua não lhe chamavam atenção. Suas dores o matavam e se ele pudesse diria ao mundo que o céu não era azul para ele. Ao longe via homens e mulheres caminhando sem parar em busca de motivos vazios. Cada vida era para ele um novo enigma... Tinha vontade de poder tocá-los e dizer-lhes que despertassem para uma realidade melhor. Nos últimos tempos o rosto firme e envelhecido que aparecia em sua memória (porque assim o queria) era o primeiro em anos que lhe realmente abalava. E os olhos do homem eram muito verdes, fortes como janelas fechadas que dão vista para uma imensa mata. Essa era a vontade que Malone padecia: embrenhar-se na mata dos homens, cada um era como uma planta rara.
Após esse discurso breve, seu corpo tremia, voltou-se então para seu jardim. Aquela pequena mata que lhe dava paz.


Sorriu para mim. Estamos juntos para sempre, soeur. Você e eu, uma só solidão.



Malone sabe que eu também não posso viver sem amor.
A você, Mulher.