domingo, 20 de março de 2011

Babel

A figura encontrava-se semi-inclinada para frente.

Pingos de suor contornavam sua face avermelhada pelo calor do verão enquanto despencavam sonoros até o solo devido a uma respiração ofegante. Trazia consigo um cansaço descomunal e seus joelhos vacilavam ao toque das mãos encobertas de sangue.

Aquele lugar era novo: diante e atrás de si, Malone podia avistar duas infinitas escadarias de mármore branco. Se me perguntarem eu jamais saberia como ele havia chegado até ali e tão pouco qual seriam seus próximos passos. Apenas posso afirmar que se encontrava num ponto de intersecção entre dois longos caminhos que o levavam sabe-se lá para onde. Fazia um esforço sobre-humano para manter-se em pé e de sua boca sibilava quase que muda uma oração.

Então, aconteceu: da pele gélida de mármore daquele solo surgiu tímida e sorridente uma rosa cinza-azulada. Malone a princípio apenas a observou estático. Reparou-lhe o brilho anil de suas pétalas aveludadas e como sempre, maravilhou-se num instante único...

Porém, esse momento definiu-se como distinto de todas as vezes que olhava um ser vivo como aquele, pois sua coloração recordava-lhe algo oculto, saudoso e inevitavelmente, com uma ponta de tristeza.

Malone recordou um momento de pura inocência e confidência: deveria ter pouca idade e apenas aprendia a caminhar. Essa lembrança inventada por ele de uma infância quase feliz o mantinha em pé em meio àquele mausoléu ao ar livre, àquela encruzilhada de pedra onde nem ele mesmo se lembrava como havia chegado.

Corria sozinho por uma alameda de terra. (Corria de algo ou por algo?). Apenas corria e o vento vestia sua pele e seus cabelos puros.

A princípio suas pernas o ajudavam a reconhecer o caminho e gozavam do movimento e do impacto com o solo fundindo-se num corpo só. Conforme corria podia apreciar a paisagem e seu corpo, ainda que pequeno e frágil, o fazia maior que tudo. Havia amor.

Num dado momento, Malone passou a correr um pouco mais rápido e numa linha muito tênue da qual não se deu conta, suas pernas tomaram uma espécie de vida própria e sua visão embaralhou-se. Ele tentava reconectar o resto de seu corpo com seus membros inferiores, mas foi inútil... Seu cérebro esforçava-se para manter o equilíbrio e seu coração parecia não agüentar o próximo passo.

Não se sabe por quanto mais tempo e nem qual a velocidade foi atingida, mas ele seguiu correndo e quando se deu conta sua vida havia passado e ele já não se parecia nem um pouco com a criança da beira da estrada...

Malone volteou então sua cabeça do chão para o lugar onde havia brotado a flor azul e sentiu algo macio em seus pés: aquela flor que apesar de nascida do solo infértil e duvidoso engravidou o mármore mais outra e outra vez transformando-lhe o branco num jardim turquesa que o cobria até os joelhos.

Malone então se entregou ao irresistível sabor agridoce do aroma de anis daquelas suas velhas companheiras, abandonando seu corpo em meio ao jardim e ali permitiu que elas o afagassem e lhe dessem abrigo acarinhando seu corpo dilacerado.

Ficou ali por muito tempo.

Sonhou novamente com a lembrança.

... E quando se levantou já sabia qual dos dois caminhos iria trilhar.

02/02 – 16/02/2011

A Malone que me espera sem pressa dedico a história, a memória e minhas eternas desculpas.