quinta-feira, 28 de maio de 2009




Dentre as histórias que ouvi de Malone, inventadas ou contadas, há uma em especial que me toca profundamente.

É uma historia sobre amor.

O amor é uma eterna despedida, começou Malone naquele amanhecer. Repetia-me essa frase, sentado na velha poltrona engastada. Embriagada do veneno grave e sereno que era sua voz me deixou embalar por aquela história, enquanto mirava o nascer do grande astro, que não brilhava menos que aquele ser por quem eu dedicava verdadeira veneração. Aquele relato, ironicamente contado por Malone me pareceu familiar e ao mesmo tempo tão estranho a tudo o que eu vivia.

Tudo o que amou fora lhe tirado assim, de repente. Sua infância, sua identidade e sua vida. Não sabia como tinha ido parar ali, naquele lugar. Em algum momento, recordava uma noite de céu pontilhado, céu baixo, estrelas à altura das mãos.

Lembrava-se de ter saído para um passeio, caminhada ao luar. Encantava-lhe a noite. Assim como eu considerava que a noite era a melhor coisa para se observar. Percorria-lhe o corpo uma densa sensação de calor. Havia um grande lago, as luzes do mundo refletidas nele. Fora seu último contato com esse mundo exterior. Como já mencionei aqui, antes de mim, somente ela.

Sua memória apagou-se naquele instante suspenso no ar em que soube que, mesmo sem saber, em seu peito transbordava amor. Amor pela vida que lhe estavam prestes a roubar e pelo tempo que sabia perdido. Foi a última vez que se lembrava de estar vivo.

Desde então havia o vácuo. O apartamento, a velha poltrona, os anos inventados, a solidão. Sem dormir. Descobri que não dormia por medo de fechar os olhos e ver-se novamente seqüestrado por uma vida que não era sua.

Porém, (e nesse momento me lembro que foi a primeira vez que Malone sorriu para mim. Sorriso largo... Lá se fora meu ar. Tive de levantar e aproximar-me da janela, e recompor-me antes de voltara a mirá-lo de novo) depois de um tempo, horas, e segundos inventados para lhe enganar, uma noite ele adormeceu.

Decidiu que iria despedir-se de uma vez mais, de uma vez e pela primeira vez por vontade própria. Fechou os olhos e experimentou a indescritível sensação de dormir. E sonhar. Sonhou com a mesma noite calada, exalava um aroma de papel queimado... E a sensação fugidia de calor preencheu seu espírito novamente furtado.

Em breve comentarei mais sobre a tal noite. Por hora, aguardo que acorde novamente. Está dormindo e eu, o observo devota e atentamente. Afinal, se eu pudesse ser algo eu seria a vigília pelo sono da humanidade.
A Ana, a Tony, a Wong atuais companheiros e inventores de um amor que eu acredito. E a você que estã conseguindo fazer diferente.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Eu estou sentada. Visto roupas muito claras e tenho cabelos compridos. É a primeira vez que estou assim. Nunca ninguém me viu vestir assim. Dentro de mim range um disco, uma música. Um tango interno que me instiga a bailar.

As pontas dos meus dedos dos pés têm um tom levemente rosa e de tempos em tempos sinto pequenos repuxos na região de minha grande articulação.

Eu espero, não sinto medo. Diante de mim só o Mar. Uma onda vem, umedece meu tornozelo. Sorrio. Experimento meus músculos da face ao sorrir. Ao confundir um raio de sol com o brilho de uma estrela descubro que tenho muito tempo para observar a natureza.

Eu havia caminhado até ali. Por e para ali. De certo, as pequenas dores físicas seriam causa de algum exagero pela rota que escolhi.

Desisto de acreditar que estou sozinha. Ela, a minha menina está comigo. Ah! Quanto tempo... E ela estava ali, brincando com seus castelinhos de areia que a água salgada insistia em destruir. Ela continuava a sorrir e a dançar. Olhava-me como a quem olha uma mãe.

Era chegada a hora de despir a roupa. O velho jeans largo que não cabia mais em minhas curvas endurecidas. Eu ficaria nua. E diria adeus àqueles que ficavam para trás.

Eu estou sentada diante do mar, nua, olhando para a união entre a criança e a natureza. Eu devo seguir adiante e continuar sentada. À espera de nada. Uma hora teria que mergulhar.... Ainda havia tempo. E era vermelho meu coração.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Rosa Branca

O amanhecer ao longe,


A manhã de outono em meio a sensível formação do meu mundo


E algo como o Caos de uma noite chuvosa de verão.


Um pedaço de céu estrelado no meu dia amarelado.





Água benta, tonifica a minha carne. Imaculada. Eu havia pensado que éramos muito jovens e felizes.





Estremeceu o meu canto livre de sua nota. A primeira nota. A mais simples. Imberbe


A invasão enlouquecida O amor sem aviso





Eu deixei que o tempo tomasse conta dessa história até que ela inevitavelmente se repetiu. Como uma música arranhada num disco de vitrola





Eu te concebi no mês 4. Eles me conceberam no mês 4. E sigo te livrando e me condenando.


Pelo mesmo tanto que você me deu.

Obrigada vida minha, por seguir adiante. Se não fosse assim ainda estaria inutilmente esperando o tempo passar. Em vão. Já que ele parou naquele dia perdido...

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"Só podemos ser selvagens a medida que somos sérios"

A Wim, com toda sua sutileza.

domingo, 3 de maio de 2009

Mais sobre sono e sonhos.

Ao meu lado jazia um homem.
O homem.
Vivo.

Seus olhos fechados, certamente escuros, eram como a cripta que guardava um segredo escondido. Indecifrável.

Ausente, o movimento de seus pulmões refletidos no ar que saía de suas narinas o tornava frágil. Refém das mentiras que se contou uma vida inteira.

Cada gesto involuntário que seu corpo pronunciava tinha valor para mim. Meus olhos cravados nos seus diziam todas as sensações do mundo. Olhei-o livremente, e a cada olhar me libertava de sua imagem. Como um aceno de adeus. Um adeus no oceano. Libertava-me dele e me prendia a mim. Não pisquei. Meus olhos marejaram dentro do mar a areia poluiu minha pupila.

Eu estava novamente ali. E de novo. Seu corpo de areia era intranqüilo próximo ao meu, que se endurecia com o passar dos anos. Minha carne, dilacerada, aberta, exposta e meu espírito que não estava ali. Não podia estar ali. Eu não podia estar ali.

Seu corpo exalava um doce aroma de dor. Dor contida. Dor que gostava de doer. E entendi que era mais livre que ele. E sua cor era de solidão.

De repente, reprimi um grito. Um grito de socorro. Quis sair. Quis correr. Quis ir embora para sempre. E voltar no instante seguinte. Não me deixe aqui, não sei ir embora sozinho. Malone reclamou que queria observar mais...

Atravessei a barreira de sua pele arenosa, toquei seu coração. Ainda quente. Batia em tom solene. Peguei-o. Cortei-o ao meio. Era o momento de saltar pela janela. Branca. Não tive coragem. Malone me repeliu. Encarei-o, o velho ar de reprovação tomou conta de sua face.

Voltei-me para o homem. Uma forma ao redor de seus lábios “esboçava um meio sorriso”. Devolvi-lhe o coração e joguei o meu longe. Minhas mãos estavam cobertas. Limpei-as em meu corpo e deixei secar. Não tive medo que visse. Talvez nunca acordasse a tempo de ver, a tempo de entender o que se passava comigo. Só Malone viu. E Malone nunca diria nada.

Quando me dei conta de que respirava com dificuldade, o salvei. Nada acontecia só o silêncio se manifestava. O som da verdade muda que eu carreguei dentro de minha bolsa nos últimos anos. O movimento contínuo de seus pés irrequietos era simultâneo a minha respiração. Assim como Malone ele também não havia se acostumado a outro ser humano, muito menos a mim.

À convite da vida fiquei ali a vida inteira

E quando ela partiu, de súbito, reparei que ao meu lado ainda jazia um homem.
O mesmo homem.
O homem.
Vivo.

Ou Morto?
À Boal
(16/03/1931 - 02/05/2009).
Que para mim nunca apagará sua chama.
Obrigada por me dar a razão da minha vida.