domingo, 23 de agosto de 2009

Escritos em pergaminho

Certo tempo atrás, Malone nem sequer imaginava me conhecer, escreveu palavras soltas em papéis de carta. Tomei a liberdade de vasculhar suas coisas em busca de pistas sobre o tal ladrão que roubou sua vida naquela noite inventada por ele.
Já quase no fim da busca acabei por deparar-me com algo que eu mesma já havia esquecido. Um tempo de Primeiro Amor.

Agora já é quase noite, a chuva cai a espera de alguém a seque.
"21"
Nem sempre aquilo que achamos certo será o que faremos de nossas vidas. Porém não deixa de ser certo para nossa consciência. E aquilo que fazemos no lugar do certo, não está equivocado, mas sim o que tínhamos que fazer e viver.

Eu jamais me esquecerei dos desenhos daquela noite perdida de Abril. (Deverá ser a tal noite, pela qual busco sem cessar por faze-lo falar)


"Primeiro Amor, em 04 de Maio" (Sim, livremente baseado no título da peça de Samuel)
Eu queria saber controlar aquilo que sou. Certamente não causaria o mal que causo, não somente a mim mesmo, mas aos outros também, àqueles que de alguma maneira me querem bem. (Presumo aqui que Malone estaria falando Dela)

Quando desci a rua naquele sábado, eu só gostaria de poder abraçar algo sólido. Fugir do que tinha deixado para trás. Porque ando fugindo do que sou.
Mas eu teria ficado ali. Naquele momento inesperado, naquela respiração entrecortada e aquele estranho e condenado brilho nos olhos.

Eu tenho uma dor enorme dentro de mim, que me acompanha, me espera e me confunde.
Desci aquela rua sentindo a única coisa que realmente....(Infelizmente Malone não prossegue com suas palavras)

Há, finalmente em minhas mãos um pedaço de papel de guardanapo, quase rasgado, amarelado. Vários escritos com dois tipos de letras. Sei bem distingüir a de Malone e a outra parece ser feminina. Reparei que eu havia envelhecido, tanto quanto o papel me minhas mãos, mas que minha letra permanecia a mesma. Não é irônico que mesmo que a vida e seu irmão tempo passem, existem coisas que não os acompanham. O que muda não é o que você escreve, mas como. E sua letra é a mesma, antes e depois.
"Momento Histórico"

Você é você em minha vida, e por isso eu te amo. Mais que eu. E eu não quero voltar, pois eu nao tenho casa. Minha casa sou eu e eu sou um pouco de você.

Havia uma assinatura que não convém, por respeito a Malone, citar o nome de quem era. Eu mesma não sei quem era. Pensava que sabia, que havia desvendado essa parte de sua vida, mas como muitas vezes fiz e ainda farei, me enganei profundamente. Malone sempre deixava uma pista a mais.

E agora ele está me olhando, com um desconhecido ar de graça. Me pergunto se ele se pergunta até onde irei por conseguir contar sua história?



A Enio, companheiro de mais uma tarde chuvosa. Suas trilhas nos fazem chegar a lugares muito longe e dentro de nós mesmos. Grazzie, Morricone!








segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Av. Amor, 23

Era fim de tarde na Torre de Marfim, havia algum tempo que não encontrava Malone ele andava algo taciturno, depois do dia em que conheceu a Vida. Eu inspirava fumaça provinda daquela droga em minha mão quando abri a janela. Percebi que chegava porque o ar quente inundou meu coração, tranqüilo até então, e o fez disparar como milho de pipoca doce na panela. Senti certo incômodo no inicio, ele sempre fora mais forte do que eu. Seus olhos me davam as boas vindas novamente. Olhar para Malone sempre fora confortante, apesar de eu nunca conseguir desvendar-lhe. E naquele momento era muito mais fácil e menos dolorido olhar para sua cabeleira precocemente grisalha. E ele sabia o que eu estava pensando.

A Torre de Marfim naquele dia tinha 23 andares. Esse número não me diz nada. Mas eram exatamente 23 grandes motivos, momentos, ilusões que me separavam daquela vida de felizes dias. Malone sabia que eu não queria mais olhar para baixo. Pousou então sua mão (pois depois do abraço ele já poderia tocar-me) levemente ao redor de meu pescoço e gentilmente obrigou-me a olhar para aquela Avenida 23 vezes mais longe que o normal. E nesse momento rapidamente percebi que Malone manteve sua mão onde estava, aproximou-se mais e inalou o aroma de meu cabelo. Depois me diria que havia descoberto que existem coisas que podem ser tocadas...


Eu via as sombras lá embaixo. Aquelas pessoas que como eu um dia sonharam em estar na Torre de Marfim podendo observar de longe sua própria vida. Ah, se eu tivesse tido a chance de escutar de longe o ruído da guitarra do músico de rua, da buzina apressada de alguém que se esqueceu da brevidade da vida, da passeata que reivindicava mais mentiras. Mas com a pressão em minha cabeça causada pelo peso leve da mão de Malone me fazia pensar naqueles dias. 23 vezes milhões de passos por aquela avenida. Senti vontade de dizer a ele que eu sempre gostei de andar. Mas que naqueles tempos já sentia as futuras dores que minhas pernas viriam a sofrer... Ainda que eu tenha plena consciência de que eu as tenha agravado. E nesse momento Malone virou-se para observar a Avenida também.


Apontou para um ponto em que eu costumava parar para descansar. Disse que uma vez tinha me visto em sonho num lugar muito parecido. E que eu estava em paz. Com cabelos muito, muito compridos. Nesse momento passou a acariciar o topo de minha cabeça.


Conforme movimentava sua mão remexia em minha memória os momentos daquele amor fantasiado de avenida. Ou seria apenas uma Avenida apelidada amor? Palco da dança madrugada e envelhecida com o tempo e guardadas em algum canto qualquer. Num canto, qualquer.


Malone parou subitamente de acariciar minha cabeça. O mundo voltou ao normal. Como numa vertigem a Avenida se desvaneceu. Ele me impediu de derramar uma lágrima, escancarou a janela e foi noite adentro desbravar mais um cenário dentre os milhões de cenários agrupados em minha memória. Ver-lhe voar foi até então o momento mais solitário e sereno de minha vida. Como o vento que invadiu a sala assim que eu fechei a janela, deixando a velha Avenida a servir de guia para outros amores.


Malone voou e sorriu. E eu lhe sorri de volta, acalmando minha alma rasgada. E devolvi a lembrança a seu lugar, 23 andares abaixo.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

No solstício de Inverno...

Terei eu me esquecido de atender o telefone naquela madrugada? Ou foi o estranho e indigesto tomate mal batido no liquidificador da memória que me fez desconhecer o número do armazém da esquina?

Reparei que a luz em cima de minha cabeça nao parava de piscar, naquele teto inédito, na mesma medida e velocidade daqueles ruídos indecisos. E o aroma de pedra da cidade tão longe de mim quanto meus olhos da bendita e tao acalentada estação de trem. Aonde nos vimos, eu e o estrangeiro, pela última vez. Os seus olhos rasgados e muito escuros ainda permanecem como a marca da lágrima derramada na janela da locomotiva que me levaria para o destino intragável que tardaria anos em sair da minha cômoda de madeira. E que me envelheceria cedo demais.


Então eu só podia ter sentado na pedra e observado a chuva de pequenas fadinhas que vinham nao sei bem de onde. Me lembrei de uma brincadeira dos primeiros tempos. Conheci um príncipe de terras longínquas e históricas. Adorável era o seu desenho. Ele tinha nariz, dentes, cabelos e olhos. Um de Cada Cor do Vento.


Um dia depois eu entrei pela porta da meio. Saí pela da frente e dei de cara com aquele homem, que ficara subitamente velhinho, ele me acenou e antes de virar pó de estrela teve tempo de me cantar uma canção. Muito parecida com a melodia que eu me acostumei a ouvir no café-da-manhã na capital do Pintor. E se a vida fosse um país eu teria nascido no povoado mais próximo da Alegria. Aquele, que só eu e um certo escritor de poemas conhecemos.


Terminei o Século observando os astros fazendo compras desde a ala noroeste de uma Torre de Mármore bem clarinho, nas minhas mãos eu levava um caderninho vermelho, nele nao havia escrito nada. Nele eu teria escrito aquela história, justo aquela que não consegui de maneira nenhuma, (e os filhos da água são testemunha de que tentei de todas as maneiras imaginar) ,pois até hoje nunca vi realmente a cor da Lua. Ele tinha tom de Lua em sua face. Ainda me lembro que lhe pedi ajuda, mas ele voou para muito longe, antes que eu pudesse suspeitar que ele fosse um animal alado. Mas o céu me presenteou com a imagem do Segredo, da Beleza e da Espada e naquele exato momento olhei para baixo e avistei o pequeno parque de diversão atrás da encosta da montanha e soube que nunca mais voltaríamos a vê-lo.


E entao, FINALMENTE, eu a vi, Rainha Branca, vestida de Nuvem rindo timidamente, como faziam os nativos da aldeia onde eu nasci, bem ao Norte, eu só pude pensar que até Alice gostaria de estar em meu lugar.


----------------------------------------------------------------------------------------------


Aos nossos beijos, Infinitos da cor do Céu.


E a Lewis Carroll que certamente desvendou a dor dela.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Conto

Su luna de miel fue un largo escalofrío. Rubia, angelical y tímida, el carácter duro de su marido heló sus soñadas niñerías de novia. Ella lo quería mucho, sin embargo, a veces con un ligero estremecimiento cuando volviendo de noche juntos por la calle, echaba una furtiva mirada a la alta estatura de Jordán, mudo desde hacía una hora. Él, por su parte, la amaba profundamente, sin darlo a conocer.
Durante tres meses -se habían casado en abril- vivieron una dicha especial.
Sin duda hubiera ella deseado menos severidad en ese rígido cielo de amor, más expansiva e incauta ternura; pero el impasible semblante de su marido la contenía siempre.
La casa en que vivían influía un poco en sus estremecimientos. La blancura del patio silencioso -frisos, columnas y estatuas de mármol- producía una otoñal impresión de palacio encantado. Dentro, el brillo glacial del estuco, sin el más leve rasguño en las altas paredes, afirmaba aquella sensación de desapacible frío. Al cruzar de una pieza a otra, los pasos hallaban eco en toda la casa, como si un largo abandono hubiera sensibilizado su resonancia.
En ese extraño nido de amor, Alicia pasó todo el otoño. No obstante, había concluido por echar un velo sobre sus antiguos sueños, y aún vivía dormida en la casa hostil, sin querer pensar en nada hasta que llegaba su marido.
No es raro que adelgazara. Tuvo un ligero ataque de influenza que se arrastró insidiosamente días y días; Alicia no se reponía nunca. Al fin una tarde pudo salir al jardín apoyada en el brazo de él. Miraba indiferente a uno y otro lado. De pronto Jordán, con honda ternura, le pasó la mano por la cabeza, y Alicia rompió en seguida en sollozos, echándole los brazos al cuello. Lloró largamente todo su espanto callado, redoblando el llanto a la menor tentativa de caricia. Luego los sollozos fueron retardándose, y aún quedó largo rato escondida en su cuello, sin moverse ni decir una palabra.
Fue ese el último día que Alicia estuvo levantada. Al día siguiente amaneció desvanecida. El médico de Jordán la examinó con suma atención, ordenándole calma y descanso absolutos.
-No sé -le dijo a Jordán en la puerta de calle, con la voz todavía baja-. Tiene una gran debilidad que no me explico, y sin vómitos, nada... Si mañana se despierta como hoy, llámeme enseguida.
Al otro día Alicia seguía peor. Hubo consulta. Constatóse una anemia de marcha agudísima, completamente inexplicable. Alicia no tuvo más desmayos, pero se iba visiblemente a la muerte. Todo el día el dormitorio estaba con las luces prendidas y en pleno silencio. Pasábanse horas sin oír el menor ruido. Alicia dormitaba. Jordán vivía casi en la sala, también con toda la luz encendida. Paseábase sin cesar de un extremo a otro, con incansable obstinación. La alfombra ahogaba sus pasos. A ratos entraba en el dormitorio y proseguía su mudo vaivén a lo largo de la cama, mirando a su mujer cada vez que caminaba en su dirección.
Pronto Alicia comenzó a tener alucinaciones, confusas y flotantes al principio, y que descendieron luego a ras del suelo. La joven, con los ojos desmesuradamente abiertos, no hacía sino mirar la alfombra a uno y otro lado del respaldo de la cama. Una noche se quedó de repente mirando fijamente. Al rato abrió la boca para gritar, y sus narices y labios se perlaron de sudor.
-¡Jordán! ¡Jordán! -clamó, rígida de espanto, sin dejar de mirar la alfombra.
Jordán corrió al dormitorio, y al verlo aparecer Alicia dio un alarido de horror.
-¡Soy yo, Alicia, soy yo!
Alicia lo miró con extravió, miró la alfombra, volvió a mirarlo, y después de largo rato de estupefacta confrontación, se serenó. Sonrió y tomó entre las suyas la mano de su marido, acariciándola temblando.
Entre sus alucinaciones más porfiadas, hubo un antropoide, apoyado en la alfombra sobre los dedos, que tenía fijos en ella los ojos.
Los médicos volvieron inútilmente. Había allí delante de ellos una vida que se acababa, desangrándose día a día, hora a hora, sin saber absolutamente cómo. En la última consulta Alicia yacía en estupor mientras ellos la pulsaban, pasándose de uno a otro la muñeca inerte. La observaron largo rato en silencio y siguieron al comedor.
-Pst... -se encogió de hombros desalentado su médico-. Es un caso serio... poco hay que hacer...
-¡Sólo eso me faltaba! -resopló Jordán. Y tamborileó bruscamente sobre la mesa.
Alicia fue extinguiéndose en su delirio de anemia, agravado de tarde, pero que remitía siempre en las primeras horas. Durante el día no avanzaba su enfermedad, pero cada mañana amanecía lívida, en síncope casi. Parecía que únicamente de noche se le fuera la vida en nuevas alas de sangre. Tenía siempre al despertar la sensación de estar desplomada en la cama con un millón de kilos encima. Desde el tercer día este hundimiento no la abandonó más. Apenas podía mover la cabeza. No quiso que le tocaran la cama, ni aún que le arreglaran el almohadón. Sus terrores crepusculares avanzaron en forma de monstruos que se arrastraban hasta la cama y trepaban dificultosamente por la colcha.
Perdió luego el conocimiento. Los dos días finales deliró sin cesar a media voz. Las luces continuaban fúnebremente encendidas en el dormitorio y la sala. En el silencio agónico de la casa, no se oía más que el delirio monótono que salía de la cama, y el rumor ahogado de los eternos pasos de Jordán.
Alicia murió, por fin. La sirvienta, que entró después a deshacer la cama, sola ya, miró un rato extrañada el almohadón.
-¡Señor! -llamó a Jordán en voz baja-. En el almohadón hay manchas que parecen de sangre.
Jordán se acercó rápidamente Y se dobló a su vez. Efectivamente, sobre la funda, a ambos lados del hueco que había dejado la cabeza de Alicia, se veían manchitas oscuras.
-Parecen picaduras -murmuró la sirvienta después de un rato de inmóvil observación.
-Levántelo a la luz -le dijo Jordán.
La sirvienta lo levantó, pero enseguida lo dejó caer, y se quedó mirando a aquél, lívida y temblando. Sin saber por qué, Jordán sintió que los cabellos se le erizaban.
-¿Qué hay? -murmuró con la voz ronca.
-Pesa mucho -articuló la sirvienta, sin dejar de temblar.
Jordán lo levantó; pesaba extraordinariamente. Salieron con él, y sobre la mesa del comedor Jordán cortó funda y envoltura de un tajo. Las plumas superiores volaron, y la sirvienta dio un grito de horror con toda la boca abierta, llevándose las manos crispadas a los bandós. Sobre el fondo, entre las plumas, moviendo lentamente las patas velludas, había un animal monstruoso, una bola viviente y viscosa. Estaba tan hinchado que apenas se le pronunciaba la boca.
Noche a noche, desde que Alicia había caído en cama, había aplicado sigilosamente su boca -su trompa, mejor dicho- a las sienes de aquélla, chupándole la sangre. La picadura era casi imperceptible. La remoción diaria del almohadón había impedido sin duda su desarrollo, pero desde que la joven no pudo moverse, la succión fue vertiginosa. En cinco días, en cinco noches, había vaciado a Alicia.
Estos parásitos de las aves, diminutos en el medio habitual, llegan a adquirir en ciertas condiciones proporciones enormes. La sangre humana parece serles particularmente favorable, y no es raro hallarlos en los almohadones de pluma.

El Almohadón de Plumas, Horacio Quiroga