domingo, 16 de outubro de 2011

chuva velha

São Paulo, +-10h.

Havia certa rotina naqueles dias embaçados de estação. Então, ele me fez uma visita.

Ele me olhava e me via/ria sinceramente. Sempre nos entendemos... Pela primeira vez chegou a dividir a cama estreita comigo.

-Chove e eu gosto de te ver nesses dias.

Com a face nunca antes tão próxima ele me descansava com silenciosa ternura que senti meu coração finalmente afrouxar-se um pouco. Ele tinha o poder de me calar sem fazer o menor esforço. Sempre admirei aqueles que nos fazem calar com pouco. É necessário ser humildemente perspicaz para tanto, quem grita não cala ninguém.

Foi assim que ele me ensinou a viver desde o primeiro instante, do primeiro sonho: como respirar dentro d’água e ainda conseguir captar o aroma de uma possível flor subaquática rara que pudesse aparecer pelo caminho.

Naquela tarde chuvosa ele adentrou meu mundo de novo assim como quem simplesmente sabe o momento de fazê-lo e com aquela calma de sempre. Quando o mormaço já chegava ao ápice, algumas primeiras gotas grossas lubrificavam o solo de concreto, chuva jovem ainda, ele despiu-se sem nenhum pudor, como se fizesse isso todos os dias e deitou-se ao meu lado com cara de quem queria contar ou ouvir alguma história. Eu bem sabia sobre o que gostaria de falar. Na cama precisei diminuir um pouco a minha angústia para que coubéssemos todos ali. As palavras, as lembranças, eu, ele e a nossa solidão compartilhada.

-Tinha aroma de fruta e era claro como uma manhã ensolarada de inverno. Eu tinha (ou queria que tivesse) encontrado um igual, tão igual como você... Viajei sem medo por entre aquela estrada verde. Era a mais bela estrada do mundo. Queria sentar-me e contemplar aquela terra imensa e fértil, inalar e inalar o aroma de sentimento amendoado e verdadeiro e provar seu gosto. Afinal, podemos e devemos viver isso também. Deve haver o espaço para essas frutas raras que encontramos pelo caminho.

Ele percebeu que a dificuldade de falar aumentava. Respeitou, e num daqueles momentos suspensos no ar me levou embora para sempre e de novo. Era inevitável, seria minha companhia mais fiel. O mundo era um pouco melhor com ele ao meu lado. Comigo ao seu lado.

Os olhos da tarde escureceram trazendo a noite. Reparei de repente que os de Malone se camuflavam conforme o tempo e não importa o que acontecesse havia sempre um céu chuvoso por dentro deles, uma chuva agora envelhecida que há muito tempo despenca...

Quando me dei conta ele se fora e eu estava novamente só. Só com Malone, minha plenitude. E eu teria de (re) aprender a viver com isso também.

domingo, 2 de outubro de 2011

Malone está feliz agora. Pois eu estou de volta.