E muitos anos depois eu sinto o presente.
O grande presente que sempre esteve presente, mas meus olhos,
desatentos da morte, se recusaram a receber. Meus olhos ainda não se
acostumaram a não vê-lo mais.
Eu estou sentada diante da grandeza oceânica da minha dor,
do meu luto. Hoje me vestirei de areia e chorarei. As lágrimas pacientemente cairão
e eu não precisarei mais impedi-las. E você me mandará ondas que com fria
temperatura me despertarão como que dizendo: chorar para quê, filha? Eu
permaneço aqui.
Eu posso viver o presente. Eu posso amar. Eu posso voltar a
escrever. Eu permitirei que meu Malone a replante. Ela, humilde flor do meu
jardim.
Hoje a solidão rima com calma e eu posso amar meu abismo.
Nele te encontro, te revejo eternamente jovem, alimentado de sorrisos,
reinventando o vazio, assumindo o risco de viver escutando a melodia de um coração
dilacerado, conversando com o tempo, senhora e senhor de nós, purificando meu
lar, acalentando a tua falta muda e inexorável.
Hoje.
Presente.
Vida.
Sempre continua e a morte sempre morre. Você morreu, eu
morri, a vida vive.
Eu te amo.
Dedicado a Raya, rainha das águas que me trouxeram de volta à você.