sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Hoje


E muitos anos depois eu sinto o presente.


O grande presente que sempre esteve presente, mas meus olhos, desatentos da morte, se recusaram a receber. Meus olhos ainda não se acostumaram a não vê-lo mais.

Eu estou sentada diante da grandeza oceânica da minha dor, do meu luto. Hoje me vestirei de areia e chorarei. As lágrimas pacientemente cairão e eu não precisarei mais impedi-las. E você me mandará ondas que com fria temperatura me despertarão como que dizendo: chorar para quê, filha? Eu permaneço aqui.

Eu posso viver o presente. Eu posso amar. Eu posso voltar a escrever. Eu permitirei que meu Malone a replante. Ela, humilde flor do meu jardim.

Hoje a solidão rima com calma e eu posso amar meu abismo. Nele te encontro, te revejo eternamente jovem, alimentado de sorrisos, reinventando o vazio, assumindo o risco de viver escutando a melodia de um coração dilacerado, conversando com o tempo, senhora e senhor de nós, purificando meu lar, acalentando a tua falta muda e inexorável.

Hoje.
Presente.
Vida.
Sempre continua e a morte sempre morre. Você morreu, eu morri, a vida vive.
Eu te amo.



Dedicado a Raya, rainha das águas que me trouxeram de volta à você.