domingo, 27 de dezembro de 2009
Ao ano que já vai...
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Sobre essa minha ausência
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
durante o sonho com Joyce
tão perto como dentro, (dentro desse meu coração de seda)
tão dentro como invisível, ( invisível como a beleza)
e, finalmente,
tão invisível e belo como aquilo que só tu ves
desde esses teus escuros olhos de porta-retrato.
Escrito na manhã mais fria de um Dezembro mais frio que eu havia visto nunca.
14/12/2009
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
de passagem
tomaria o caminho mais fácil para chegar aonde as frutas são todas mais saborosas e eu espero por algo que nunca acontecerá.
ontem, hoje e amanhã serão os dias mais importan-tantes de minha vida pois estão dentro do previsível. porque tenho a quem amar.
há muito tempo que sempre estive por perto.
no mais, o resto são as tuas rosas e minhas também, ao meu redor.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Penumbra
A melodia vem diretamente da chuva. Estou só com ela. O Cantor está com Malone na Torre.
Seja lá quem forem esses olhos, já sinto saudades quando acordar amanhã.
Escrito em 07/10/2009 1:16 Am
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
E hoje ele pode vê-la, sentada no parapeito de uma janela velha deixando os pingos de chuva limpar e molharem seus pés belos, sujos e muito, muito cansados. Suas costas apoiadas na veneziana aberta, ela se move sem cuidado e as maltrata.
Quantas vezes lhe dissera pra tomar cuidado com as janelas! Mas ela não tinha medo, sentava-se sempre à beira de qualquer uma. Pois sabia que ele estaria sempre ali para salvá-la.
Mas, naquele tempo ela era Nua e estava presa. Sufocada por algo que ele nunca poderia compreender. Seu corpo era manejado por suas mãos como o baú cheio de ouro que Dantes encontrou após anos de injusto calabouço.
E ainda assim ela soube como portar-se diante dele. Assim o era e assim continua sendo.
Mas ele tem a incômoda certeza de que hoje, ela está nua e que outras mãos ousam abrir seu baú de tesouros levando-a cada vez mais pra longe dele. E ele também compartilha da dor desses outros desbravadores que, desvelados acordam no meio da noite e não são capazes de compreender por que ela já não está mais ao lado deles. Tocando a ausência precoce.
Ele a vê profanando o sagrado altar em que eles se casaram, num dia infinito em que ele a vestiu de noiva com sua pele branca. Há muito tempo atrás.
Mas o que ele não sabe é que ela é Livre.
Ela está sentada e por cima de sua cabeça há um céu estrelado. Ás vezes tenebroso.
Deveria ela deixar de pintar suas partes com cores fortes?
Tudo se modifica na cidade de Pedra em que hoje vive. Ela caminha pelas vitrines e seu rosto está por toda parte. As pessoas a olham em belas roupas e não vêem a grande rosa habitando sua caixa branca., sussurrando para dentro de sua alma a mais bela das orações.
Ela ama, mas está cansada de ficar em pé.
Ela tem saudade. Mas cansou-se de chorar, de fazer e de não poder ser.
Ela tenta. Faz, desfaz e descobre que a moça das pernas mutiladas caminha com dificuldade, mas mantém sempre um sorriso. Ela também tem o jardineiro que, assim como ela, está só.
Canta e ninguém a escuta.
É como se a Vida passasse por ela como um trem que não para em nenhuma estação.
E ela corre, corre e suas pernas doem. E continua a correr e a sua frente há uma estrada longa. E ela só deseja que os seus não a esqueçam e que ele (cir) ande não muito longe dela para que esse primeiro e louco amor nunca a deixe completamente.
Com anéis nas mãos ela caminha e recebe com muito prazer a visita daquela mulher de cabelos longos e negros.
No fundo, aqueles meninos que mal sabiam do mundo e apenas iniciavam sua jornada em busca de descobrir o amor sempre quiseram que o Cantor lhes dedicasse nem que fosse uma única canção.
A Malone. Por ter, com muita dificuldade, me confessado tal história.
sábado, 14 de novembro de 2009
Tarde no Parque
Hoje a vida está por nós, soeur.
De repente um homem corre e Malone, dum sobressalto, decide expor-se ao sol. Eu explico-lhe que o quente é algo entre a cor vermelha e o gosto de um bom café quente e puro.
Sobre o lençol estendido ele senta, abre os braços e se deixa embalar pela sensação cortante dos raios do grande astro abraçando sua pele, outrora presa. Como se livrasse de uma roupa muito velha sua pele se desprendeu de seus músculos dando lugar a outro tipo de revestimento, mais seco e firme. Aquela antiga e imutável companheira o abandonava de uma vez. Eu quis guardá-la em minha bolsa, mas Malone me impediu. Era chegado o momento de se expor.
Eu tomei coragem o toquei. Tocava pela primeira vez um filhote de animal selvagem com um misto de admiração e medo. Medo de ele ser intocável ou ainda pior, medo de que ele não exista. E que se confirme a suspeita de sua solidão eterna.
Então, descobri-o muito menos frágil do que sempre me parecera. Ao meu toque, estremeceu. E se não fosse pela costumeira e conhecida expressão de reprova eu poderia afirmar que ele havia planejado todo aquele momento apenas para sentir minhas mãos em suas costas.
Aquela pele brilhava. E tinha a nobreza de uma crina de cavalo de raça. Admirei-me que Malone fosse magro. Era a primeira vez que reparava que sua magreza existia e intimidava. Enganado-me uma vez mais, tamanha era sua força.
Ele se levantou e com sua mão me conduziu por um caminho cheio de árvores. E contou-me mais uma história, que, em breve descreverei.
Foi uma tarde deveras bela. Eu caminhava a seu lado e podia sentir as mudanças imperceptíveis do mundo, o segredo tão próximo do ser humano, aquele que somente ouvimos no instante anterior ao sono. Ele observava os casais abraçados, as mulheres conversando, o menino correndo. E eu, bem, eu sentia que não precisaria mais compreender nada. Que tudo havia cambiado, que o mundo havia girado e que eu estava por fio de descobrir a verdade sobre ele. Sobre o mundo e sobre Malone, claro. Se bem que, a essa altura de minha vida me é muito difícil diferenciar os dois.
Malone parou abruptamente como da primeira vez. O mesmo homem correu e o tempo sequer parou. Seu corpo começou a encharcar-se d’água. Não podia compreender de onde vinha. Aquele era o corpo e a pele de um homem muito forte. Ocorreu-me então a idéia de que aquele haveria de ser o homem que meu irmão era antes de decidir encarcerar – se na Torre de Marfim. Meus olhos buscavam desesperadoramente os seus e ele em seu momento de admiração pelo grande astro não evitou presentear-me com um único e intenso olhar. E eu vi.
Eu vi aqueles olhos tão díspares do belo corpo ensolarado. Eles permaneciam chuvosos e cinzas. (Como aquela tarde em que eu me despedi de você, pela última vez). Os olhos dele então começaram a chover por todo seu corpo e logo depois por todo o parque. Choviam em mim. E de repente Malone começou a rir e o som que saía de sua boca era como as trovoadas de uma incômoda chuva de verão.
Quis correr até ele, mas a mão em meu ombro me pressionava. Virei-me e encarei uma mulher velha, muito enrugada, com olhos muito claros e pele bem branca. Seus cabelos negros cobriam parte de um rosto que parecia ter perdido a alegria em algum momento de sua vida...como a pétala ressecada de uma flor.
A Tristeza de ver o corpo mais belo do mundo inundar-se em si mesmo me consumiu. Só tive tempo de fitá-lo pela última vez antes que aquela mulher me conduzisse até ela. Eu gritei.
No instante seguinte estava no mesmo lugar do início, mas dessa vez Malone não estava comigo. O parque, as árvores continuavam ali. Como se o tempo não os afetasse. Eu senti então os pingos grossos martelarem minha face e avistei não muito longe dali a mesma mulher do sonho assistindo-me, parada sob uma árvore. Em suas mãos suspendia um guarda-chuva que me oferecia.
Eu ignorei-a e juntando minhas coisas deixei-me levar por aquelas notas de chuva que, intimamente, me recordavam as lágrimas dele.
Caminhei sobre duas rodas em direção a casa.
Caminhei em direção a ele, a minha casa, a Malone.
domingo, 8 de novembro de 2009
a Rosa Jambo do paraíso II
Diante de mim está uma mulher
Uma mulher sozinha
Em cima de um palco
Ela representa ali seu papel
Não o representa para mim e nem para si mesma
Ela está parada no centro
Tem o olhar posto no vão escuro á sua frente. Como se pudesse ver além das luzes,
seus olhos balançam e esquadrinham cada detalhe e se perdem na multidão a procura de...
Como um animal à caça, quando aproxima seu nariz da presa para verificar sua consistência e qualidade. Ela analisa, ela pensa e age. Com o coração. Com a alma e com seu magnífico cérebro
Ela respira e a cada suspiro seu peito alvo infla e ela pode sentir bem de perto a verdade
A verdade de estar profundamente ali. E apenas ali. Numa mentira
Seu verdadeiro eu, sua identidade roubada por cada personagem que vive transforma-a numa semideusa
Pulsa uma veia em sua têmpora. O que a faz ser ainda mais bela e natural. Como a flor, a ave, a rosa
Jambo
E faz com que eu a ame cada vez mais, e profundamente
Você teria coragem de inspirar seu perfume?
Uma criatura que vive de mentira a sua vida de verdade
Ela é Atriz
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Escrito em 25/10/2009 -
Dedico a Lígia
terça-feira, 27 de outubro de 2009
a Rosa Jambo do paraíso - I
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Dia das Crianças
E você soube ir? Claro que não, inclusive deixei meu telefone aqui pra poder voltar. Eu estou sempre voltando para as coisas que eu amo. Nem que seja em sonhos.
E ela me deu aquele abraço macio. E com um dedo secou a única lágrima que contornava minha face já tão cansada de chorar por tais questões.
Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
E saí em busca novamente da minha paz aleatória e cotidiana da qual ela faz parte.
A mulher que cozinha pra mim.
sábado, 10 de outubro de 2009
Eu teria dito num papel de carta.
O quê?
Simplesmente, tem que deixar ir embora. Já está na hora.
É...
Eu sei que você vai dizer o quanto é dificil...
Tem razão. Só tô esperando passar o inverno.
O inverno já acabou.
Ah! É mesmo...Já são quase 2 da manhã. Ele deve partir.
Amanhã ele volta.
Amanhã? Hoje já é amanhã.
E ele não voltou.
Se você deixar ele volta....
Se eu deixar ele vai pra sempre.
Então deixa.
Acho que vou dormir. Ele não volta nunca mais.
Mas eu tô aqui.
Eu sei....
Não sabe, não.
Eu sei. Boa Noite.
Bons Sonhos.
Ei, não precisa mais deixar ou não. Ele já foi e nem sequer se despediu.
Foi e levou tua rosa com ele.
Ele levou só uma. Eu ainda tenho um jardim inteiro.
Fica...
Estão batendo. Será que é ele, já voltou?
Não, é outra pessoa.
Eu sei. Abro a porta?
Abre.
Tá bom.
Vai ser lindo.
Eu sei que vai.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Quarto 33 (O sequëstro da Rosa)
Eu tenho sono mas ainda posso ouvir o canto dos passarinhos ao longe. Malone ri para mim. Leva em sua face um tom mais leve. Tenho uma nova flor, soeur. Deiz-me isso com a estranha e incômoda calma de sempre. Com a tranquilidade do homem que fez tudo o que podia e gostaria de ter feito na vida e aguarda a morte com fenomenal aceitação. Ou ainda com a mesma calma com que o Sol nasce toda manhã, pontilhando de luz o céu escuro e nos trazendo a paz, a paz de saber que a angustiante madrugada insone já vai passar.
Me aproximo de meu irmão, ele está vestido com o mesmo casaco cinza de sempre e leva as mãos nos bolsos. Seu cabelo cai por entre as sobrancelhas e seus olhos cor de noite chuvosa encontram os meus e se preparam para mais uma história.
O que havia lá?
Apenas um quarto com uma janela. Por cima dos lençóis estava, amarrada com uma fita prateada, uma rosa nova. Malone nunca a havia visto antes, nem em seus sonhos.
Sua cor era a mais intrigante e misteriosa. Me deteve no primeiro instante.
A rosa respirava profundamente, como o mar após a Ressaca. Suas pétalas, eram macias e enrugadas. Se parecia com a pele de um homem comum que não se preocupa com a ação do tempo, mas que ainda consegue manter a beleza natural do ser.
Ele se mantinha distante daquela frágil figura. A rosa encontrava-se entre dois corpos. Nus. Que, extasiados, deixavam-se descansar do amor e o toque dos raios de sol os fazia belos e perfeitos , muito mais do que jamais foram. E só a rosa podia ver Malone. E ainda que eu pudesse ter certeza de que Malone, neste instante caminhou até os corpos e inalou a atmosfera secreta que os rondava. Mas ele me afirmou que não e desviou o olhar para a eterna madrugada.
A rosa, então, pediu-lhe que a levasse com ele. Ela era o segredo mudo entre aqueles dois corpos entregues ao talentoso Cantor de Estrelas. Seria muito difícil colher aquela rosa, tão naturalmente bela e frágil. Estava bem no centro daquele fresco desejo, justo acima das pernas desesperadoramente entrelaçadas. Malone deu-se conta de que o homem descansava a mão sobre a cintura marcada da mulher, como se fosse um escultor que passa a vida inteira buscando pela simetria da curva perfeita e finalmente a encontra na simplicidade de uma andarilha sem vaidade. E a mulher estava tão próxima do cabelo do homem, que Malone percebeu que caía escondida uma centelha de lágrima. Como se, enfim, depois de tanto tempo, anos perdidos, tivesse encontrado novamente a paz, bem ali, nos cabelos bastos daquele homem que mais parecia um ator.
Malone assistiu a cena durante muitos minutos. Perguntou-se há quanto tempo aqueles corpos aguentariam ficar ali? E se ele arrancasse a rosa nascida do estremecimento do suor do prazer compartilhado por seus criadores. Por quanto tempo mais eles poderiam sobreviver?
Já era tarde demais. A rosa suplicava-lhe o sequestro. Reclamava que só ele poderia fazê-la sobreviver, pois aqueles corpos nus acabavam de criá-la e apesar do tom de eternidade presente no ar, eles eram apenas corpos com falhas humanas. E que só Malone poderia compreendê-la, decifrá-la e preservá-la. Malone estreitou os olhos diante dos meus e me contou que a rosa disse-lhe, como em tom de mistério, que pouco antes de adormecer a mulher sussurrou-lhe que não se preocupasse porque um certo jardineiro viria resgatá-la.
Malone respirou fundo e como que compreendendo tudo, caminhou até o pé da cama, pelo lado do homem e sentiu uma vontade nova e invisível de estar em seu lugar, bem ao lado daquela mulher esculpida na humildade de seu destino. Olhou para ele e o viu belo e menino, mas não teve certeza se era realmente belo ou se era aquela mulher que o fazia grandioso. Aproximou o braço, que passou rente ao corpo do homem. Sua atenção agora inteiramente voltada para a rosa e mesmo que se esforçasse nao pode deixar de notar que o aroma que exalava do corpo daquela mulher tão linda se fundia com o aroma da rosa, como se fossem a mesma pessoa. A mesma criação. E quando estava a ponto de cometer o crime, o seqüestro da rosa Malone sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo. Tocou a rosa e desviou o olhar e nesse momento pode jurar que viu aquela mulher testemunhar seu feito. Seus olhos se encontraram e num daqueles instantes suspensos no ar e Malone acordou.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
São Jorge chegou lá
"O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida. "
Madrigal Melancólico,
M. Bandeira - 11 de junho de 1920
Pelo menos hoje eu sei que em algum lugar ele, o rapaz cor de Lua do andar belo, ele me entendeu. Realmente estava sangrando. Minha alma completa sangrava. E eu não conseguia estancar a ferida.
Mas o marquei como igual. E hoje não preciso mais verter lágrimas para que ele me perdoe. Pois sei que já me perdoou.
E hoje eu solto a voz.
Confissões entre irmãos
Quando se passa muito tempo dormindo, é natural que se queira retornar às cobertas. O inverno estava aí, ma soeur. E eu ainda não sou suficientemente forte para defender-te.
Andei pela casa hoje. Percebi os cantos de pó na sala. Algumas janelas estão rangendo. Parei para ouvir o som que elas produziam. Bravas resistentes ao vento que as seduz.
Sabem que nunca mais será nunca. Que o nunca mais ainda que o sempre. Ainda que o sempre chegue a ser nunca. Você o observa. O cantor de estrelas continua aí fora e eu, bem, eu sigo cuidando das rosas que lhe plantei.
O tempo passa. A vida passa. Eu queria poder viver por nós dois. E você segue acreditando no que quis acreditar. Naquilo que você inventou. Eu acredito em ti, ma souer. Só tu podes nos salvar. A minha vida é esse apartamento. Eu o inventei e o decorei e aqui estou. Agora te conheço e também sei do mundo pelos sons dos seus lábios.
Soeur, não há resposta. Ou você inventa o caminho ou você pede perdão a si mesmo por continuar fingindo.
E se tudo isso fosse uma mentira. Você fala tanto de mentiras. “Vivemos da desgraça”
E tantas vezes depois eu me lembraria de tudo aquilo que nunca vivi. E a vontade imensa de ter feito tudo diferente esnoba em mim todo seu poder.
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
A última Carta de Amor
Eu me perguntava, onde? Onde exatamente havia estado em todos aqueles anos? Eu via as roupas e o pó recheando sua casa, via suas fragilidades físicas e acima de tudo podia ver o tempo, como uma presença e mais que perdido. E via as flores crescendo.
Ah! Ele tinha seu jardim. Uma vez deixou a mais linda rosa que alguém plantou na Terra. Ele a descuidou. Ele não soube podá-la. Essa rosa morreu. E Malone morreu um pouco junto com ela.
A história que Malone me contou em uma manhã ensolarada de inverno foi sobre a perda. Sobre a imensa e imperdoável perda de tempo em sua vida. Eu deixei aquela flor morrer, soeur. Ao tocar sua pétala sem querer me distraiu e acabou por matá-la. Descobri naquele dia que era muito cedo para ser jardineiro. Contudo, ainda me lembro quando inventei seu perfume. Tinha o aroma do céu e a textura de um vento quente. Após falar isso se silenciou por um momento. Esses momentos de silencio ao lado de Malone eram toda a minha vida. Levantou-se e caminhou até uma gaveta.
Aquilo que mais admiro num ser humano, em especial nos homens (seja qual for o meu tipo de interesse neles) é o andar. Me agrada a cadência sólida que trocam de pernas e distribuem o peso sobre elas. Geralmente, os homens que possuem mais sensibilidade do que os outros, que conseguem captar as emoções não só de mulheres, têm um andar extremamente encantador. O encaixe perfeito da cintura e quadris os leva a caminhar com lentidão (quase câmera lenta). Talvez seja a leveza (ou o peso) de suas vidas que decidem transpor para seus pés. Costumam alçar a cabeça a um nível onde possam ver tudo sob sua própria ótica, o que os faz acreditar que presunçosamente o mundo é exatamente da maneira como vêem. E esse momento, juntamente com o sorriso que surge por entre seus lábios, é verdadeiramente sensual. Perco a fala e sou capaz de parar o que estou fazendo somente para apreciar esse cotidiano espetáculo. Há uma graça e certo toque de insegurança no andar de Malone que faz com que eu sinta a melodia muda que emana de seu corpo a cada passo seu. Desde que o conheci nunca mais pude deixar de comparar sua maneira de caminhar com a dos outros homens.
Dentro da gaveta pegou um papel. Me entregou. Nele havia um texto que me pediu que lesse em voz alta para ele. Intitulada A última Carta de Amor. Citarei algumas passagens que me deixaram comovida.
“Eu diria a ti todas as palavras de amor, mas não posso. Eu dedicaria as razoes de meu riso excêntrico a tua alma, mas não posso.
Eu teria dentro de mim a certeza de ter-te em minha vida até meu último momento de lucidez, mas não tenho.
Porém, e acima de tudo, eu te dou a minha vida, caso venhas a necessitá-la. E para isso eu só preciso que me perdoes, pois ainda que não gostes de me ver em prantos dedico também a ti parte de minhas lágrimas.”
Não deixou que eu comentasse nada. Apenas pediu para eternizar aquele momento como um dos momentos mais plenos de sua vida.
E eu? O que seria de minha plenitude sem Malone?
domingo, 23 de agosto de 2009
Escritos em pergaminho
A Enio, companheiro de mais uma tarde chuvosa. Suas trilhas nos fazem chegar a lugares muito longe e dentro de nós mesmos. Grazzie, Morricone!
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Av. Amor, 23
Eu via as sombras lá embaixo. Aquelas pessoas que como eu um dia sonharam em estar na Torre de Marfim podendo observar de longe sua própria vida. Ah, se eu tivesse tido a chance de escutar de longe o ruído da guitarra do músico de rua, da buzina apressada de alguém que se esqueceu da brevidade da vida, da passeata que reivindicava mais mentiras. Mas com a pressão em minha cabeça causada pelo peso leve da mão de Malone me fazia pensar naqueles dias. 23 vezes milhões de passos por aquela avenida. Senti vontade de dizer a ele que eu sempre gostei de andar. Mas que naqueles tempos já sentia as futuras dores que minhas pernas viriam a sofrer... Ainda que eu tenha plena consciência de que eu as tenha agravado. E nesse momento Malone virou-se para observar a Avenida também.
Apontou para um ponto em que eu costumava parar para descansar. Disse que uma vez tinha me visto em sonho num lugar muito parecido. E que eu estava em paz. Com cabelos muito, muito compridos. Nesse momento passou a acariciar o topo de minha cabeça.
Conforme movimentava sua mão remexia em minha memória os momentos daquele amor fantasiado de avenida. Ou seria apenas uma Avenida apelidada amor? Palco da dança madrugada e envelhecida com o tempo e guardadas em algum canto qualquer. Num canto, qualquer.
Malone parou subitamente de acariciar minha cabeça. O mundo voltou ao normal. Como numa vertigem a Avenida se desvaneceu. Ele me impediu de derramar uma lágrima, escancarou a janela e foi noite adentro desbravar mais um cenário dentre os milhões de cenários agrupados em minha memória. Ver-lhe voar foi até então o momento mais solitário e sereno de minha vida. Como o vento que invadiu a sala assim que eu fechei a janela, deixando a velha Avenida a servir de guia para outros amores.
Malone voou e sorriu. E eu lhe sorri de volta, acalmando minha alma rasgada. E devolvi a lembrança a seu lugar, 23 andares abaixo.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
No solstício de Inverno...
Reparei que a luz em cima de minha cabeça nao parava de piscar, naquele teto inédito, na mesma medida e velocidade daqueles ruídos indecisos. E o aroma de pedra da cidade tão longe de mim quanto meus olhos da bendita e tao acalentada estação de trem. Aonde nos vimos, eu e o estrangeiro, pela última vez. Os seus olhos rasgados e muito escuros ainda permanecem como a marca da lágrima derramada na janela da locomotiva que me levaria para o destino intragável que tardaria anos em sair da minha cômoda de madeira. E que me envelheceria cedo demais.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Conto
Durante tres meses -se habían casado en abril- vivieron una dicha especial.
Sin duda hubiera ella deseado menos severidad en ese rígido cielo de amor, más expansiva e incauta ternura; pero el impasible semblante de su marido la contenía siempre.
La casa en que vivían influía un poco en sus estremecimientos. La blancura del patio silencioso -frisos, columnas y estatuas de mármol- producía una otoñal impresión de palacio encantado. Dentro, el brillo glacial del estuco, sin el más leve rasguño en las altas paredes, afirmaba aquella sensación de desapacible frío. Al cruzar de una pieza a otra, los pasos hallaban eco en toda la casa, como si un largo abandono hubiera sensibilizado su resonancia.
En ese extraño nido de amor, Alicia pasó todo el otoño. No obstante, había concluido por echar un velo sobre sus antiguos sueños, y aún vivía dormida en la casa hostil, sin querer pensar en nada hasta que llegaba su marido.
No es raro que adelgazara. Tuvo un ligero ataque de influenza que se arrastró insidiosamente días y días; Alicia no se reponía nunca. Al fin una tarde pudo salir al jardín apoyada en el brazo de él. Miraba indiferente a uno y otro lado. De pronto Jordán, con honda ternura, le pasó la mano por la cabeza, y Alicia rompió en seguida en sollozos, echándole los brazos al cuello. Lloró largamente todo su espanto callado, redoblando el llanto a la menor tentativa de caricia. Luego los sollozos fueron retardándose, y aún quedó largo rato escondida en su cuello, sin moverse ni decir una palabra.
Fue ese el último día que Alicia estuvo levantada. Al día siguiente amaneció desvanecida. El médico de Jordán la examinó con suma atención, ordenándole calma y descanso absolutos.
-No sé -le dijo a Jordán en la puerta de calle, con la voz todavía baja-. Tiene una gran debilidad que no me explico, y sin vómitos, nada... Si mañana se despierta como hoy, llámeme enseguida.
Al otro día Alicia seguía peor. Hubo consulta. Constatóse una anemia de marcha agudísima, completamente inexplicable. Alicia no tuvo más desmayos, pero se iba visiblemente a la muerte. Todo el día el dormitorio estaba con las luces prendidas y en pleno silencio. Pasábanse horas sin oír el menor ruido. Alicia dormitaba. Jordán vivía casi en la sala, también con toda la luz encendida. Paseábase sin cesar de un extremo a otro, con incansable obstinación. La alfombra ahogaba sus pasos. A ratos entraba en el dormitorio y proseguía su mudo vaivén a lo largo de la cama, mirando a su mujer cada vez que caminaba en su dirección.
Pronto Alicia comenzó a tener alucinaciones, confusas y flotantes al principio, y que descendieron luego a ras del suelo. La joven, con los ojos desmesuradamente abiertos, no hacía sino mirar la alfombra a uno y otro lado del respaldo de la cama. Una noche se quedó de repente mirando fijamente. Al rato abrió la boca para gritar, y sus narices y labios se perlaron de sudor.
-¡Jordán! ¡Jordán! -clamó, rígida de espanto, sin dejar de mirar la alfombra.
Jordán corrió al dormitorio, y al verlo aparecer Alicia dio un alarido de horror.
-¡Soy yo, Alicia, soy yo!
Alicia lo miró con extravió, miró la alfombra, volvió a mirarlo, y después de largo rato de estupefacta confrontación, se serenó. Sonrió y tomó entre las suyas la mano de su marido, acariciándola temblando.
Entre sus alucinaciones más porfiadas, hubo un antropoide, apoyado en la alfombra sobre los dedos, que tenía fijos en ella los ojos.
Los médicos volvieron inútilmente. Había allí delante de ellos una vida que se acababa, desangrándose día a día, hora a hora, sin saber absolutamente cómo. En la última consulta Alicia yacía en estupor mientras ellos la pulsaban, pasándose de uno a otro la muñeca inerte. La observaron largo rato en silencio y siguieron al comedor.
-Pst... -se encogió de hombros desalentado su médico-. Es un caso serio... poco hay que hacer...
-¡Sólo eso me faltaba! -resopló Jordán. Y tamborileó bruscamente sobre la mesa.
Alicia fue extinguiéndose en su delirio de anemia, agravado de tarde, pero que remitía siempre en las primeras horas. Durante el día no avanzaba su enfermedad, pero cada mañana amanecía lívida, en síncope casi. Parecía que únicamente de noche se le fuera la vida en nuevas alas de sangre. Tenía siempre al despertar la sensación de estar desplomada en la cama con un millón de kilos encima. Desde el tercer día este hundimiento no la abandonó más. Apenas podía mover la cabeza. No quiso que le tocaran la cama, ni aún que le arreglaran el almohadón. Sus terrores crepusculares avanzaron en forma de monstruos que se arrastraban hasta la cama y trepaban dificultosamente por la colcha.
Perdió luego el conocimiento. Los dos días finales deliró sin cesar a media voz. Las luces continuaban fúnebremente encendidas en el dormitorio y la sala. En el silencio agónico de la casa, no se oía más que el delirio monótono que salía de la cama, y el rumor ahogado de los eternos pasos de Jordán.
Alicia murió, por fin. La sirvienta, que entró después a deshacer la cama, sola ya, miró un rato extrañada el almohadón.
-¡Señor! -llamó a Jordán en voz baja-. En el almohadón hay manchas que parecen de sangre.
Jordán se acercó rápidamente Y se dobló a su vez. Efectivamente, sobre la funda, a ambos lados del hueco que había dejado la cabeza de Alicia, se veían manchitas oscuras.
-Parecen picaduras -murmuró la sirvienta después de un rato de inmóvil observación.
-Levántelo a la luz -le dijo Jordán.
La sirvienta lo levantó, pero enseguida lo dejó caer, y se quedó mirando a aquél, lívida y temblando. Sin saber por qué, Jordán sintió que los cabellos se le erizaban.
-¿Qué hay? -murmuró con la voz ronca.
-Pesa mucho -articuló la sirvienta, sin dejar de temblar.
Jordán lo levantó; pesaba extraordinariamente. Salieron con él, y sobre la mesa del comedor Jordán cortó funda y envoltura de un tajo. Las plumas superiores volaron, y la sirvienta dio un grito de horror con toda la boca abierta, llevándose las manos crispadas a los bandós. Sobre el fondo, entre las plumas, moviendo lentamente las patas velludas, había un animal monstruoso, una bola viviente y viscosa. Estaba tan hinchado que apenas se le pronunciaba la boca.
Noche a noche, desde que Alicia había caído en cama, había aplicado sigilosamente su boca -su trompa, mejor dicho- a las sienes de aquélla, chupándole la sangre. La picadura era casi imperceptible. La remoción diaria del almohadón había impedido sin duda su desarrollo, pero desde que la joven no pudo moverse, la succión fue vertiginosa. En cinco días, en cinco noches, había vaciado a Alicia.
Estos parásitos de las aves, diminutos en el medio habitual, llegan a adquirir en ciertas condiciones proporciones enormes. La sangre humana parece serles particularmente favorable, y no es raro hallarlos en los almohadones de pluma.
El Almohadón de Plumas, Horacio Quiroga
segunda-feira, 27 de julho de 2009
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Passeio pelo jardim de pedra.
Eu tento caminhar pela calçada. Muito poucas flores ao meu redor. Ao longe vejo dois homens que se unem num abraço. Lembro-me do nosso e sinto que queria poder tocá-la assim. O azedo e o doce se fundem num gosto só. E pelos braços de moça, muito seus, eu conheço as palavras que povoam o Universo. Como o pó da estrela numa constelação. E de repente encontro a Vida, bem em baixo da minha janela outrora pintada por recortes de jornais de notícias antigas. A sensação é a mesma de um artista que desvenda a nota principal em sua sinfonia de piano. É claro que o medo, esse menino tão belo e com olhos de feiticeiro, caminha do outro lado da avenida. Ele pede colo a Vida que sem dar-lhe muita atenção sorri para mim. Como se quisesse que continuasse. Mas seu sorriso deve ser uma mentira. Nesse momento Medo consegue seu colo. Observo então as inúmeras vidas mentindo para os homens e esses lhes respondendo com a mesma atitude. E me sinto o mais covarde dos mortais e sei que não há perdão para isso. Não tenho fome, não tenho sede e tão pouco consigo sentir algo. A dor e o Menino-Medo foram substituídos pela ânsia de encontrar. Estou procurando você.
É de tarde. Faz frio. Eu já posso vê-la sentada tomando um café ligeiramente doce. Uma folha verde é presenteada por seu olhar que baila de acordo com a intensidade do vento gelado e constante de uma tarde ensolarada de inverno. Sua atenção muitas vezes é desviada pelo vai-vem das pessoas ao redor. Tão apressadas. E você esta sozinha, assim, em seu estado mais natural. E, sem surpreender-se, você já não sente mais a falta de nada. Que o tempo inevitavelmente passou. E que por escolha própria você continua viva. Distraída você move seu cabelo. A primeira parte que reparei em você naquela primeira vez em que nos vimos. Eu acordava de um sono e você estava diante de mim, a mesma e invisível beleza que eu havia visto em meus sonhos. O brilho das madeixas escuras do cabelo cor de breu me fez ter ganas de plantar minha segunda flor.
De longe observo seus pensamentos. Você não esperava que fosse assim. O menininho ainda ronda seu colo. Você sabe que é chegada a hora de voltar ao inevitável. Sabe que é sua essência. Sabe porque me encontrou.
-Sabia que viria.
-Nao pude trazer nenhuma flor, mas conte-me essa história que esta na sua cabeça.
-Se me lembrasse. Já faz muito. Ainda havia tempo para a velha Jabuticabeira. Eu terei de reinventar tudo.
Nos olhamos diretamente. Seus olhos são como a noite. Peço perdão ao cantor por comparar as estrelas com as suas dores. Cada olho pontilhado delas. Cada uma delas uma invenção. A maior de todas é você.
Após um riso fugitivo você me diz que havia muito naqueles braços ternos. E que as tardes de domingo estão tão longe. E a dança. A velha Dança que te deu sua vida. Mas que tudo num instante virou pó, pó de estrela morrendo. E que agora ela dançava muito longe. E como se já não bastasse ele, que empurrava sua bicicleta e gritava palavras de amor. E quando você finalmente conseguiu e olhou para trás com o sorriso cheio de aurora ele já não estava mais. E você sabia que jamais voltaria a vê-los.
Nesse momento você inclinou a cabeça e a apoiou em suas mãos, tão femininas e fortes. E pela primeira vez em anos eu reconheci o que era uma lágrima. Apenas uma. Era o que você conseguia dedicar para essa história nova e mais velha que tinha me contado. Há um silencio e você segue bebericando o café doce. É como se você soubesse que eu não estava realmente ali.
E só para confirmar, olho para o lado e vejo a Vida, com seus óculos escuros, aproveitando o tempo livre numa tarde de inverno. Ela comprou uma revista de caça-palavras.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
encontro com apolo
Malone disse que sentia certo vazio na região central de seu ventre. Havia dias que a sentia, era algo que o deixava de mau-humor e causava-lhe uma secura na boca. Disse que buscou a melhor palavra, a mais dramática ou poética, mas chegou à conclusão de que estava com fome. Diante de mim, com seus olhos grandes e incisivos, assumiu que estava com vontade de mastigar algo. Rindo lhe ofereci um pêssego. Malone olhava a fruta. Primeiro sentiu seu aroma, fechou os olhos e com o tato de sua face descobriu a sedosa pele do primeiro alimento que saborearia em anos. Não é necessário e seria um grande desrespeito a Malone se eu descrevesse aqui o movimento contínuo de puro prazer experimentado por ele ao receber o corpo estranho no seu. Cito apenas seus pés, tão masculinos, uniram-se a meu cobertor apertando o tecido como se dele necessitassem para viver.
A partir daí decidi contar-lhe mais uma história. Essa é um pouco mais recente que as outras. Há na vida pessoas que nos lembram pêssegos. Parece hilária e comoventemente ingênua essa citação, mas, na humildade de minhas palavras, descrevo aquele rapaz como um pêssego. Era dourado e em seu corpo estava tatuada a palavra sol. E não há metáfora mais próxima do que essa reação de Malone, ou melhor, de seu corpo, para explicar o que senti quando o aroma quente de seus braços envolveu minhas costas e me fizeram deitar sobre a vereda de cimento da grande cidade de pedra. Deixe-me ir, eu não deveria estar aqui. Malone sabia que em seu íntimo, eu e aquele fruto não poderíamos jamais ser reais e que ele não deveria engolir-nos, mas decididamente (assim como eu) não pôde resistir à maciez que existe nos momentos roubados que tanto falamos.
Ao recordar o primeiro encontro com o rapaz ensolarado fiz questão em demorar-me falando sobre sua respiração. Era bem peculiar aquele ar que expirava de suas narinas. Era algo nervoso e não habitual. Como a respiração de alguém que brilha muito, mas que ainda não se acostumou com isso. Sua respiração incidia em mim como a luz refratada na água de um lago numa manhã de verão. Fenomenal. No sentido da palavra, a moça e o Sol. Quando terminei me dei conta de que suas mãos transpareciam um suor, nervoso. Como se a respiração solar daquele rapaz por meio de minhas palavras tivesse conseguido fazer Malone sentir calor. Algo que em minha opinião está unido à fome na irmandade dos sentidos.
Malone me mirava como se quisesse decifrar o enigma. Que era eu, afinal? O que eu significava em sua vida? Você me conta as histórias que eu um dia escrevi em mim. Então como era de costume perguntou-me se o rapaz do olhar de ouro era realmente real. Ele é dourado; tem o sol em suas mãos e caminha na horizontal. E sim, ele é mais uma das minhas invenções. Em tom de desafio pronunciei essa última palavra.
Notei que, em sua perspicaz observação, Malone retraiu-se e me olhou nos olhos como há muito não fazia. Desde a manhã em que nos conhecemos. E soubemos que tudo havia estado, até então, calmo demais. E aquele vento que costumávamos a ouvir durante a noite estava finalmente amanhecendo. O sol do rapaz o estava consumindo.
Início 05/07 – Fim 06/07.
Ao tal rapaz, quem nunca imaginaria ter encontrado com vida. E que intimamente me confessou que também gosta de escrever.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
A história que o jardineiro me contou...
Amanhã, você pensava. Só mais um dia. Essa era sua resposta para a pergunta inevitável.
Dentre as maiores surpresas que a vida lhe trouxe, perde-lo foi a mais seca e cortante. Exatamente como o vento que agora espanca a janela. Você pensava que tudo aquilo, aquele universo infinito, invisível de luzes que iluminavam a sua estrada jamais se apagariam.
Você havia se enganado durante muito tempo. Um longo tempo. Como um fiel que adora seu santo, desprendeu horas inventadas e infinitas ao pé do altar. Lembrava-se das longas e eternas tardes e qualquer estação (ainda que sua melhor alegria fosse te - lo no inverno) do ano em que estiveram ali tão próximos do céu.
Moravam um no outro. Vestiam a mesma roupa. Completavam-se como areia e mar. Eram só os dois e o cantor de estrelas.
Malone me olhava de uma forma intrigante. Não sabia se queria ou não que continuasse, seu olhar era distante. Quanto eu sempre invejei tudo aquilo que Malone via quando me olhava daquela forma. Sabia que no fundo não era para mim que estava olhando mas para dentro de si mesmo. Quanto eu poderia fazer se um dia pudesse desvendar-lhe!
A contínua sinfonia que exalava de seu corpo inteiro quando já cansado de falar sentava-se na velha poltrona e por uma fração de segundo eu tinha a certeza de que suas mãos me chamavam para que se sentasse a seu lado. Sua voz era tão suave e baixa que eu era obrigada a me aproximar para escutar frases que traduziam tudo o que eu estava sentindo. Algumas historias devem parar exatamente no momento em que as tocamos. E quando pronunciou a palavra tocar, certamente Malone tocou algo em seu campo de visão individual.
Me disse que conforme me ouvia poderia tocar aquele sentimento sobre o qual eu sentia falta. Tocaria essa falta incômoda. Sentia a textura daquela sensação que outrora fora tão latente. E que dentro de si era capaz de compartilhar de minha agonia. Como um anjo que vê de longe os humanos e sabe que jamais saciará seu desejo por tocá-los. Foi assim que Malone se sentiu quando lhe contei mais uma de minhas historias. Ele sabia que nunca a tocaria.
E eu, bem, eu sabia que aquele amor roubado inocentaria quem quer que fosse seu ladrão.
sábado, 20 de junho de 2009
Em busca da Terra do Nunca
Eu fui embora muito cedo daquele lugar. Em meio ao caos que havia dentro do meu mundo interior eu não percebi que havia algumas necessidades exteriores que eu deveria resolver. Deixava-me levar pelo vento que, muito gentil, ouvia minhas preces. Se eu tivesse entendido que não importava o quanto eu quisesse algo, o vento jamais poderia me indicar o caminho.
A vida dói uma vez eu disse. Hoje entendo que dói é a maneira que ela reage aos nossos estímulos. Ela não desiste, volto a repetir.
Surdos de tanto chorar, começamos a enxergar as estrelas. As primeiras que chegavam para celebração noturna de uma vida que nos esquecemos de viver enquanto ela passa por nós como uma carruagem que leva o segredo da existência ao topo do Universo, bem longe das nossas mãos.
Deitei-me na grama e me perguntei até quando agüentaria ficar ali. Eu estava só e ao meu lado estava ele. Sempre ali. Ali sempre. Para o resto do que chamávamos de caminho. Às vezes andava comigo, ás vezes caminhava mais rápido, mas estava ali, bem ali, tão perto de mim e tão longe do que eu jamais poderia ser... Eu era ele. Estávamos novamente sozinhos, nós dois.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
O Abraço
E, então, de repente como num instante suspenso dentre muitos suspensos no ar sequei-lhe uma lagrima. O tempo parou. Malone não se moveu.
E continuamos a rosa sussurrar sua oração no ouvido daquela moça. Alguém por quem Malone não esperava encontrar. Não ali.
A Lorca.
O único que me fez ler o amor a alguém.
terça-feira, 9 de junho de 2009
domingo, 7 de junho de 2009
Hoje não choveu
segunda-feira, 1 de junho de 2009
apenas escrevo a partir de uma suave pretensao sobre o amor e a vida. pedindo perdao a eles, tao irmaos. entendi desde o primeiro instante que nao sabia nada. entendi que nao se pode prever coisa alguma.
apenas escrevo para preencher o vácuo existente. apenas nos abandonamos em conversas malone e eu, madrugada a dentro. sim, tenho tido inúmeras noites de insonia desde que decidi desaguar minhas águas em outros rios.
eu apenas escrevo sentada diante do mar.
apenas escrevo para que eu mesma entenda o que restou, e o que esta dentro. continuo cega, surda e muda. e continuo. À penas viva.
no mais, tudo sao memorias....as minhas, as nossas, eternamente banhadas de lágrimas.
"E depois de tudo isso o que vc decidiu fazer ?"
Eu apenas voltei a escrever.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
É uma historia sobre amor.
O amor é uma eterna despedida, começou Malone naquele amanhecer. Repetia-me essa frase, sentado na velha poltrona engastada. Embriagada do veneno grave e sereno que era sua voz me deixou embalar por aquela história, enquanto mirava o nascer do grande astro, que não brilhava menos que aquele ser por quem eu dedicava verdadeira veneração. Aquele relato, ironicamente contado por Malone me pareceu familiar e ao mesmo tempo tão estranho a tudo o que eu vivia.
Tudo o que amou fora lhe tirado assim, de repente. Sua infância, sua identidade e sua vida. Não sabia como tinha ido parar ali, naquele lugar. Em algum momento, recordava uma noite de céu pontilhado, céu baixo, estrelas à altura das mãos.
Lembrava-se de ter saído para um passeio, caminhada ao luar. Encantava-lhe a noite. Assim como eu considerava que a noite era a melhor coisa para se observar. Percorria-lhe o corpo uma densa sensação de calor. Havia um grande lago, as luzes do mundo refletidas nele. Fora seu último contato com esse mundo exterior. Como já mencionei aqui, antes de mim, somente ela.
Sua memória apagou-se naquele instante suspenso no ar em que soube que, mesmo sem saber, em seu peito transbordava amor. Amor pela vida que lhe estavam prestes a roubar e pelo tempo que sabia perdido. Foi a última vez que se lembrava de estar vivo.
Desde então havia o vácuo. O apartamento, a velha poltrona, os anos inventados, a solidão. Sem dormir. Descobri que não dormia por medo de fechar os olhos e ver-se novamente seqüestrado por uma vida que não era sua.
Porém, (e nesse momento me lembro que foi a primeira vez que Malone sorriu para mim. Sorriso largo... Lá se fora meu ar. Tive de levantar e aproximar-me da janela, e recompor-me antes de voltara a mirá-lo de novo) depois de um tempo, horas, e segundos inventados para lhe enganar, uma noite ele adormeceu.
Decidiu que iria despedir-se de uma vez mais, de uma vez e pela primeira vez por vontade própria. Fechou os olhos e experimentou a indescritível sensação de dormir. E sonhar. Sonhou com a mesma noite calada, exalava um aroma de papel queimado... E a sensação fugidia de calor preencheu seu espírito novamente furtado.
Em breve comentarei mais sobre a tal noite. Por hora, aguardo que acorde novamente. Está dormindo e eu, o observo devota e atentamente. Afinal, se eu pudesse ser algo eu seria a vigília pelo sono da humanidade.
terça-feira, 12 de maio de 2009
As pontas dos meus dedos dos pés têm um tom levemente rosa e de tempos em tempos sinto pequenos repuxos na região de minha grande articulação.
Eu espero, não sinto medo. Diante de mim só o Mar. Uma onda vem, umedece meu tornozelo. Sorrio. Experimento meus músculos da face ao sorrir. Ao confundir um raio de sol com o brilho de uma estrela descubro que tenho muito tempo para observar a natureza.
Eu havia caminhado até ali. Por e para ali. De certo, as pequenas dores físicas seriam causa de algum exagero pela rota que escolhi.
Desisto de acreditar que estou sozinha. Ela, a minha menina está comigo. Ah! Quanto tempo... E ela estava ali, brincando com seus castelinhos de areia que a água salgada insistia em destruir. Ela continuava a sorrir e a dançar. Olhava-me como a quem olha uma mãe.
Era chegada a hora de despir a roupa. O velho jeans largo que não cabia mais em minhas curvas endurecidas. Eu ficaria nua. E diria adeus àqueles que ficavam para trás.
Eu estou sentada diante do mar, nua, olhando para a união entre a criança e a natureza. Eu devo seguir adiante e continuar sentada. À espera de nada. Uma hora teria que mergulhar.... Ainda havia tempo. E era vermelho meu coração.
terça-feira, 5 de maio de 2009
Rosa Branca
A manhã de outono em meio a sensível formação do meu mundo
E algo como o Caos de uma noite chuvosa de verão.
Um pedaço de céu estrelado no meu dia amarelado.
Água benta, tonifica a minha carne. Imaculada. Eu havia pensado que éramos muito jovens e felizes.
Estremeceu o meu canto livre de sua nota. A primeira nota. A mais simples. Imberbe
A invasão enlouquecida O amor sem aviso
Eu deixei que o tempo tomasse conta dessa história até que ela inevitavelmente se repetiu. Como uma música arranhada num disco de vitrola
Eu te concebi no mês 4. Eles me conceberam no mês 4. E sigo te livrando e me condenando.
Pelo mesmo tanto que você me deu.
Obrigada vida minha, por seguir adiante. Se não fosse assim ainda estaria inutilmente esperando o tempo passar. Em vão. Já que ele parou naquele dia perdido...
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"Só podemos ser selvagens a medida que somos sérios"
A Wim, com toda sua sutileza.
domingo, 3 de maio de 2009
Mais sobre sono e sonhos.
O homem.
Vivo.
Seus olhos fechados, certamente escuros, eram como a cripta que guardava um segredo escondido. Indecifrável.
Ausente, o movimento de seus pulmões refletidos no ar que saía de suas narinas o tornava frágil. Refém das mentiras que se contou uma vida inteira.
Cada gesto involuntário que seu corpo pronunciava tinha valor para mim. Meus olhos cravados nos seus diziam todas as sensações do mundo. Olhei-o livremente, e a cada olhar me libertava de sua imagem. Como um aceno de adeus. Um adeus no oceano. Libertava-me dele e me prendia a mim. Não pisquei. Meus olhos marejaram dentro do mar a areia poluiu minha pupila.
Eu estava novamente ali. E de novo. Seu corpo de areia era intranqüilo próximo ao meu, que se endurecia com o passar dos anos. Minha carne, dilacerada, aberta, exposta e meu espírito que não estava ali. Não podia estar ali. Eu não podia estar ali.
Seu corpo exalava um doce aroma de dor. Dor contida. Dor que gostava de doer. E entendi que era mais livre que ele. E sua cor era de solidão.
De repente, reprimi um grito. Um grito de socorro. Quis sair. Quis correr. Quis ir embora para sempre. E voltar no instante seguinte. Não me deixe aqui, não sei ir embora sozinho. Malone reclamou que queria observar mais...
Atravessei a barreira de sua pele arenosa, toquei seu coração. Ainda quente. Batia em tom solene. Peguei-o. Cortei-o ao meio. Era o momento de saltar pela janela. Branca. Não tive coragem. Malone me repeliu. Encarei-o, o velho ar de reprovação tomou conta de sua face.
Voltei-me para o homem. Uma forma ao redor de seus lábios “esboçava um meio sorriso”. Devolvi-lhe o coração e joguei o meu longe. Minhas mãos estavam cobertas. Limpei-as em meu corpo e deixei secar. Não tive medo que visse. Talvez nunca acordasse a tempo de ver, a tempo de entender o que se passava comigo. Só Malone viu. E Malone nunca diria nada.
Quando me dei conta de que respirava com dificuldade, o salvei. Nada acontecia só o silêncio se manifestava. O som da verdade muda que eu carreguei dentro de minha bolsa nos últimos anos. O movimento contínuo de seus pés irrequietos era simultâneo a minha respiração. Assim como Malone ele também não havia se acostumado a outro ser humano, muito menos a mim.
À convite da vida fiquei ali a vida inteira
E quando ela partiu, de súbito, reparei que ao meu lado ainda jazia um homem.
O mesmo homem.
O homem.
Vivo.
Ou Morto?
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Sono
Eu o observava.
O toque do lençol branco em sua face morena inspirava o contraste que o caracterizava.
Havia um silêncio branco que emanava de seu corpo, inerte e entregue ao sono.
Me perguntava em que estaria pensando. Se sonhava.
Olhá-lo assim, livremente, sem o poder de seus olhos abertos sobre mim me fazia bem. Ele me fazia muito bem.
Era um momento em milhões de momentos vazios. Um copo cheio dágua numa zona árida do sertão. Era como estar só. Só e com todo o vácuo que tinha dentro de mim. Um lugar onde uma flor jamais poderia crescer, o lugar onde só ali nasceria uma flor.
Eu havia passado muito tempo naquele lugar. Era hora de regressar. De estar comigo. Foi-se a madrugada e raiou o dia. A luz do meu sol iluminou seus olhos, que como reflexo dos meus, iluminaram o meu lar. Assim estava o dia quando conheci Malone. Assim estava aquela manhã quando o observei a ponta do sorriso que escapava de sua boca quando me sentiu chegar. Depois perguntei se fingia. Não, não é possível fingir para você, ma soeur.
Era indefinível. Seu sono, indefinível. Quando o conheci não dormia. Não descansava. Não existiam as horas para Malone. Ele também achava que as horas eram uma invenção. Uma mentira desmembrada em pequenas partículas chamadas segundos.
Mas pouco a pouco aprendeu a fazer aquilo que lhe era estranho. Aprendeu a viver um pouco. Ainda que nao confessasse isso pra si mesmo.
Aproximei-me. Toquei-o com meu olhar, depois com meu olfato, minha audição. Havia vida naquela respiração. Havia fome, sede. Havia o mundo. O mundo que ele se recusava a conhecer e que eu tentava lhe mostrar. Havia a mim.
Sentei-me e ousei aproximar minha mão.
Ele abriu os olhos.
Fez-se quente...Sertão novamente. Aqueles olhos novamente abertos, fitando-me. O breve sorriso havia desaparecido dando lugar a um sarcástico gesto de reprovação. Pensei por um momento ter visto de relance um olhar menos duro. Menos triste.
Você sabe que não deve. Eu posso não ser real. (Não me lembro quem foi que disse isso)
O que aconteceria se um dia pudéssemos tocar a vida que inventamos para nós? E se ela for real?
Dedico aos momentos que pensamos ser reais e que nos fazem sentir como numa manhã quente de primavera. Dedico a Brecht e Morel.
domingo, 19 de abril de 2009
O Fingidor
Ai que prazer
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
Como tem tempo, não tem pressa…
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca…
Jorge Madeira - O personagem dentro do Fingidor.
Fingimos ser muitas Pessoas mas não podemos fingir aquilo que realmente somos. E quando finalmente compreendermos que Ser é algo que foge de nosso controle, então tentamos fingir que vivemos e que somos nós mesmos.
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A uma amiga, uma rosa que te lembrou a mim.