segunda-feira, 27 de julho de 2009

Serei o último a dizer o primeiro a esquecer. Em outras palavras: o amor também liberta.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Passeio pelo jardim de pedra.

Eu caminho descalço por uma rua. Eu não tenho muita certeza se é isso que você chama de rua. Há pequenas pedrinhas e papéis com números de telefone, anúncios com fotos de alimentos no chão. Pouco a pouco meus pés começam a sentir algo incômodo que você depois me diria que se chama dor. Pés são muito sensíveis, minha pele era de areia. Nas paredes vejo fotos de corpos, homens e mulheres que sorriem. Para mim, será? Quem são eles? Eu ouvia o ruído das máquinas que levam esses mesmos homens e mulheres a lugar nenhum, e eles fazem questão de ir muito depressa. Eu não sei ainda como vou te encontrar. Devo utilizar alguma dessas máquinas? Penso que não. Na melhor das hipóteses dobrarei aquela esquina próxima e você estará lá olhando para mim. Com aquele seu sorriso que eu inventei.

Eu tento caminhar pela calçada. Muito poucas flores ao meu redor. Ao longe vejo dois homens que se unem num abraço. Lembro-me do nosso e sinto que queria poder tocá-la assim. O azedo e o doce se fundem num gosto só. E pelos braços de moça, muito seus, eu conheço as palavras que povoam o Universo. Como o pó da estrela numa constelação. E de repente encontro a Vida, bem em baixo da minha janela outrora pintada por recortes de jornais de notícias antigas. A sensação é a mesma de um artista que desvenda a nota principal em sua sinfonia de piano. É claro que o medo, esse menino tão belo e com olhos de feiticeiro, caminha do outro lado da avenida. Ele pede colo a Vida que sem dar-lhe muita atenção sorri para mim. Como se quisesse que continuasse. Mas seu sorriso deve ser uma mentira. Nesse momento Medo consegue seu colo. Observo então as inúmeras vidas mentindo para os homens e esses lhes respondendo com a mesma atitude. E me sinto o mais covarde dos mortais e sei que não há perdão para isso. Não tenho fome, não tenho sede e tão pouco consigo sentir algo. A dor e o Menino-Medo foram substituídos pela ânsia de encontrar. Estou procurando você.

É de tarde. Faz frio. Eu já posso vê-la sentada tomando um café ligeiramente doce. Uma folha verde é presenteada por seu olhar que baila de acordo com a intensidade do vento gelado e constante de uma tarde ensolarada de inverno. Sua atenção muitas vezes é desviada pelo vai-vem das pessoas ao redor. Tão apressadas. E você esta sozinha, assim, em seu estado mais natural. E, sem surpreender-se, você já não sente mais a falta de nada. Que o tempo inevitavelmente passou. E que por escolha própria você continua viva. Distraída você move seu cabelo. A primeira parte que reparei em você naquela primeira vez em que nos vimos. Eu acordava de um sono e você estava diante de mim, a mesma e invisível beleza que eu havia visto em meus sonhos. O brilho das madeixas escuras do cabelo cor de breu me fez ter ganas de plantar minha segunda flor.

De longe observo seus pensamentos. Você não esperava que fosse assim. O menininho ainda ronda seu colo. Você sabe que é chegada a hora de voltar ao inevitável. Sabe que é sua essência. Sabe porque me encontrou.
E você continua a mover seu cabelo. Ou seria o vento? Eu me aproximo. A cada passo o coração pesa mais. Estaria você desaparecendo? Seria você apenas mais uma mentira da Vida, que escondida nos observa fingindo ler uma das revistas da banca de jornal. Não sei. Eu inventei a beleza e ela se parece com você.

-Sabia que viria.
-Nao pude trazer nenhuma flor, mas conte-me essa história que esta na sua cabeça.
-Se me lembrasse. Já faz muito. Ainda havia tempo para a velha Jabuticabeira. Eu terei de reinventar tudo.

Nos olhamos diretamente. Seus olhos são como a noite. Peço perdão ao cantor por comparar as estrelas com as suas dores. Cada olho pontilhado delas. Cada uma delas uma invenção. A maior de todas é você.

Após um riso fugitivo você me diz que havia muito naqueles braços ternos. E que as tardes de domingo estão tão longe. E a dança. A velha Dança que te deu sua vida. Mas que tudo num instante virou pó, pó de estrela morrendo. E que agora ela dançava muito longe. E como se já não bastasse ele, que empurrava sua bicicleta e gritava palavras de amor. E quando você finalmente conseguiu e olhou para trás com o sorriso cheio de aurora ele já não estava mais. E você sabia que jamais voltaria a vê-los.

Nesse momento você inclinou a cabeça e a apoiou em suas mãos, tão femininas e fortes. E pela primeira vez em anos eu reconheci o que era uma lágrima. Apenas uma. Era o que você conseguia dedicar para essa história nova e mais velha que tinha me contado. Há um silencio e você segue bebericando o café doce. É como se você soubesse que eu não estava realmente ali.

E só para confirmar, olho para o lado e vejo a Vida, com seus óculos escuros, aproveitando o tempo livre numa tarde de inverno. Ela comprou uma revista de caça-palavras.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

encontro com apolo

Mais uma vez me sento na cadeira de madeira e me ponho a observar Malone. Hoje seu olhar está um tanto quanto mais leve. É de dia, comecinho da tarde. Quase nunca nos vemos nesse horário. Foi irresistível não encontrá-lo hoje. Um dos poucos dias que amanheço só e que Malone está a observar-me, ainda que me diga que observava o enigmático gato branco sentado no parapeito da janela do vizinho. Com um breve sorriso diz que tem medo de me olhar e medo de saber que, por mais que ele não saiba que não tenha garantia alguma, eu estou pouco a pouco me tornando real em sua vida.

Malone disse que sentia certo vazio na região central de seu ventre. Havia dias que a sentia, era algo que o deixava de mau-humor e causava-lhe uma secura na boca. Disse que buscou a melhor palavra, a mais dramática ou poética, mas chegou à conclusão de que estava com fome. Diante de mim, com seus olhos grandes e incisivos, assumiu que estava com vontade de mastigar algo. Rindo lhe ofereci um pêssego. Malone olhava a fruta. Primeiro sentiu seu aroma, fechou os olhos e com o tato de sua face descobriu a sedosa pele do primeiro alimento que saborearia em anos. Não é necessário e seria um grande desrespeito a Malone se eu descrevesse aqui o movimento contínuo de puro prazer experimentado por ele ao receber o corpo estranho no seu. Cito apenas seus pés, tão masculinos, uniram-se a meu cobertor apertando o tecido como se dele necessitassem para viver.

A partir daí decidi contar-lhe mais uma história. Essa é um pouco mais recente que as outras. Há na vida pessoas que nos lembram pêssegos. Parece hilária e comoventemente ingênua essa citação, mas, na humildade de minhas palavras, descrevo aquele rapaz como um pêssego. Era dourado e em seu corpo estava tatuada a palavra sol. E não há metáfora mais próxima do que essa reação de Malone, ou melhor, de seu corpo, para explicar o que senti quando o aroma quente de seus braços envolveu minhas costas e me fizeram deitar sobre a vereda de cimento da grande cidade de pedra. Deixe-me ir, eu não deveria estar aqui. Malone sabia que em seu íntimo, eu e aquele fruto não poderíamos jamais ser reais e que ele não deveria engolir-nos, mas decididamente (assim como eu) não pôde resistir à maciez que existe nos momentos roubados que tanto falamos.

Ao recordar o primeiro encontro com o rapaz ensolarado fiz questão em demorar-me falando sobre sua respiração. Era bem peculiar aquele ar que expirava de suas narinas. Era algo nervoso e não habitual. Como a respiração de alguém que brilha muito, mas que ainda não se acostumou com isso. Sua respiração incidia em mim como a luz refratada na água de um lago numa manhã de verão. Fenomenal. No sentido da palavra, a moça e o Sol. Quando terminei me dei conta de que suas mãos transpareciam um suor, nervoso. Como se a respiração solar daquele rapaz por meio de minhas palavras tivesse conseguido fazer Malone sentir calor. Algo que em minha opinião está unido à fome na irmandade dos sentidos.

Malone me mirava como se quisesse decifrar o enigma. Que era eu, afinal? O que eu significava em sua vida? Você me conta as histórias que eu um dia escrevi em mim. Então como era de costume perguntou-me se o rapaz do olhar de ouro era realmente real. Ele é dourado; tem o sol em suas mãos e caminha na horizontal. E sim, ele é mais uma das minhas invenções. Em tom de desafio pronunciei essa última palavra.

Notei que, em sua perspicaz observação, Malone retraiu-se e me olhou nos olhos como há muito não fazia. Desde a manhã em que nos conhecemos. E soubemos que tudo havia estado, até então, calmo demais. E aquele vento que costumávamos a ouvir durante a noite estava finalmente amanhecendo. O sol do rapaz o estava consumindo.


Início 05/07 – Fim 06/07.








Ao tal rapaz, quem nunca imaginaria ter encontrado com vida. E que intimamente me confessou que também gosta de escrever.