terça-feira, 27 de outubro de 2009

a Rosa Jambo do paraíso - I



Baila

Dança

Caminha

Vai

Volta

Permanece.


Tacatá, tacatá, tacatá.


A Mulher está Só em cima do palco.


Só quero poder vê-la aqui. No meu horizonte mais dentro.


Rosa Jambo do Paraíso. Caule verde, íntima da terra.


Sua Metade é Luz, Mentira


A outra é Verdade.


Quem a verá?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Dia das Crianças

Foi bem ontem, logo ontem. Ela sentou-se na cama, Vou ler uma coisa pra você. Cruzou as pernas grossas e lívidas, precocemente cansadas e marcadas dos caminhos que caminhou. Ela gosta de ler coisas pra mim. Ela gosta de mim. Com a voz baixa e calma, como se soubesse exatamente no que eu estava pensando cantou-me aquela poesia. E eu a admirei ainda mais, porque ela sabia exatamente o tom que deveria dizer-me aquelas palavras, porque nós somos mais do que meras estranhas da noite.

E você soube ir? Claro que não, inclusive deixei meu telefone aqui pra poder voltar. Eu estou sempre voltando para as coisas que eu amo. Nem que seja em sonhos.

E ela me deu aquele abraço macio. E com um dedo secou a única lágrima que contornava minha face já tão cansada de chorar por tais questões.


Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

E saí em busca novamente da minha paz aleatória e cotidiana da qual ela faz parte.



A mulher que cozinha pra mim.

sábado, 10 de outubro de 2009

Eu teria dito num papel de carta.

Você tem que...

O quê?

Simplesmente, tem que deixar ir embora. Já está na hora.

É...

Eu sei que você vai dizer o quanto é dificil...

Tem razão. Só tô esperando passar o inverno.

O inverno já acabou.

Ah! É mesmo...Já são quase 2 da manhã. Ele deve partir.

Amanhã ele volta.

Amanhã? Hoje já é amanhã.

E ele não voltou.

Se você deixar ele volta....

Se eu deixar ele vai pra sempre.

Então deixa.

Acho que vou dormir. Ele não volta nunca mais.

Mas eu tô aqui.

Eu sei....

Não sabe, não.

Eu sei. Boa Noite.

Bons Sonhos.

Ei, não precisa mais deixar ou não. Ele já foi e nem sequer se despediu.

Foi e levou tua rosa com ele.

Ele levou só uma. Eu ainda tenho um jardim inteiro.

Fica...

Estão batendo. Será que é ele, já voltou?

Não, é outra pessoa.

Eu sei. Abro a porta?

Abre.

Tá bom.

Vai ser lindo.

Eu sei que vai.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Quarto 33 (O sequëstro da Rosa)


A Torre de Marfim é bela de observar-se Tem uma visão privilegiada do céu e das luzes do bairro. Como de costume Malone está sentao sobre o parapeito, divide sua atenção entre mim e a grande árvore recém-florida. Seu olhar brinda a chegada tímida e cinza da Primavera.

Eu tenho sono mas ainda posso ouvir o canto dos passarinhos ao longe. Malone ri para mim. Leva em sua face um tom mais leve. Tenho uma nova flor, soeur. Deiz-me isso com a estranha e incômoda calma de sempre. Com a tranquilidade do homem que fez tudo o que podia e gostaria de ter feito na vida e aguarda a morte com fenomenal aceitação. Ou ainda com a mesma calma com que o Sol nasce toda manhã, pontilhando de luz o céu escuro e nos trazendo a paz, a paz de saber que a angustiante madrugada insone já vai passar.

Me aproximo de meu irmão, ele está vestido com o mesmo casaco cinza de sempre e leva as mãos nos bolsos. Seu cabelo cai por entre as sobrancelhas e seus olhos cor de noite chuvosa encontram os meus e se preparam para mais uma história.

O que havia lá?
Apenas um quarto com uma janela. Por cima dos lençóis estava, amarrada com uma fita prateada, uma rosa nova. Malone nunca a havia visto antes, nem em seus sonhos.
Sua cor era a mais intrigante e misteriosa. Me deteve no primeiro instante.
A rosa respirava profundamente, como o mar após a Ressaca. Suas pétalas, eram macias e enrugadas. Se parecia com a pele de um homem comum que não se preocupa com a ação do tempo, mas que ainda consegue manter a beleza natural do ser.

Ele se mantinha distante daquela frágil figura. A rosa encontrava-se entre dois corpos. Nus. Que, extasiados, deixavam-se descansar do amor e o toque dos raios de sol os fazia belos e perfeitos , muito mais do que jamais foram. E só a rosa podia ver Malone. E ainda que eu pudesse ter certeza de que Malone, neste instante caminhou até os corpos e inalou a atmosfera secreta que os rondava. Mas ele me afirmou que não e desviou o olhar para a eterna madrugada.

A rosa, então, pediu-lhe que a levasse com ele. Ela era o segredo mudo entre aqueles dois corpos entregues ao talentoso Cantor de Estrelas. Seria muito difícil colher aquela rosa, tão naturalmente bela e frágil. Estava bem no centro daquele fresco desejo, justo acima das pernas desesperadoramente entrelaçadas. Malone deu-se conta de que o homem descansava a mão sobre a cintura marcada da mulher, como se fosse um escultor que passa a vida inteira buscando pela simetria da curva perfeita e finalmente a encontra na simplicidade de uma andarilha sem vaidade. E a mulher estava tão próxima do cabelo do homem, que Malone percebeu que caía escondida uma centelha de lágrima. Como se, enfim, depois de tanto tempo, anos perdidos, tivesse encontrado novamente a paz, bem ali, nos cabelos bastos daquele homem que mais parecia um ator.

Malone assistiu a cena durante muitos minutos. Perguntou-se há quanto tempo aqueles corpos aguentariam ficar ali? E se ele arrancasse a rosa nascida do estremecimento do suor do prazer compartilhado por seus criadores. Por quanto tempo mais eles poderiam sobreviver?

Já era tarde demais. A rosa suplicava-lhe o sequestro. Reclamava que só ele poderia fazê-la sobreviver, pois aqueles corpos nus acabavam de criá-la e apesar do tom de eternidade presente no ar, eles eram apenas corpos com falhas humanas. E que só Malone poderia compreendê-la, decifrá-la e preservá-la. Malone estreitou os olhos diante dos meus e me contou que a rosa disse-lhe, como em tom de mistério, que pouco antes de adormecer a mulher sussurrou-lhe que não se preocupasse porque um certo jardineiro viria resgatá-la.

Malone respirou fundo e como que compreendendo tudo, caminhou até o pé da cama, pelo lado do homem e sentiu uma vontade nova e invisível de estar em seu lugar, bem ao lado daquela mulher esculpida na humildade de seu destino. Olhou para ele e o viu belo e menino, mas não teve certeza se era realmente belo ou se era aquela mulher que o fazia grandioso. Aproximou o braço, que passou rente ao corpo do homem. Sua atenção agora inteiramente voltada para a rosa e mesmo que se esforçasse nao pode deixar de notar que o aroma que exalava do corpo daquela mulher tão linda se fundia com o aroma da rosa, como se fossem a mesma pessoa. A mesma criação. E quando estava a ponto de cometer o crime, o seqüestro da rosa Malone sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo. Tocou a rosa e desviou o olhar e nesse momento pode jurar que viu aquela mulher testemunhar seu feito. Seus olhos se encontraram e num daqueles instantes suspensos no ar e Malone acordou.


Acabo de sonhar contigo, Soeur. Eu o observei, suava e se nao fosse por eu ter acompanhado seu sono eu poderia dizer que Malone havia passado a noite com uma bela mulher. Ele não negou, mas riu-se dessa possibilidade. E no mesmo tom mostrou-me, escondida, em sua mão a única e solitária pétala que me sorria.


Como se me conhecesse há muito tempo.






A Henri, pela bela tarde.

Ao Ator.