segunda-feira, 6 de julho de 2009

encontro com apolo

Mais uma vez me sento na cadeira de madeira e me ponho a observar Malone. Hoje seu olhar está um tanto quanto mais leve. É de dia, comecinho da tarde. Quase nunca nos vemos nesse horário. Foi irresistível não encontrá-lo hoje. Um dos poucos dias que amanheço só e que Malone está a observar-me, ainda que me diga que observava o enigmático gato branco sentado no parapeito da janela do vizinho. Com um breve sorriso diz que tem medo de me olhar e medo de saber que, por mais que ele não saiba que não tenha garantia alguma, eu estou pouco a pouco me tornando real em sua vida.

Malone disse que sentia certo vazio na região central de seu ventre. Havia dias que a sentia, era algo que o deixava de mau-humor e causava-lhe uma secura na boca. Disse que buscou a melhor palavra, a mais dramática ou poética, mas chegou à conclusão de que estava com fome. Diante de mim, com seus olhos grandes e incisivos, assumiu que estava com vontade de mastigar algo. Rindo lhe ofereci um pêssego. Malone olhava a fruta. Primeiro sentiu seu aroma, fechou os olhos e com o tato de sua face descobriu a sedosa pele do primeiro alimento que saborearia em anos. Não é necessário e seria um grande desrespeito a Malone se eu descrevesse aqui o movimento contínuo de puro prazer experimentado por ele ao receber o corpo estranho no seu. Cito apenas seus pés, tão masculinos, uniram-se a meu cobertor apertando o tecido como se dele necessitassem para viver.

A partir daí decidi contar-lhe mais uma história. Essa é um pouco mais recente que as outras. Há na vida pessoas que nos lembram pêssegos. Parece hilária e comoventemente ingênua essa citação, mas, na humildade de minhas palavras, descrevo aquele rapaz como um pêssego. Era dourado e em seu corpo estava tatuada a palavra sol. E não há metáfora mais próxima do que essa reação de Malone, ou melhor, de seu corpo, para explicar o que senti quando o aroma quente de seus braços envolveu minhas costas e me fizeram deitar sobre a vereda de cimento da grande cidade de pedra. Deixe-me ir, eu não deveria estar aqui. Malone sabia que em seu íntimo, eu e aquele fruto não poderíamos jamais ser reais e que ele não deveria engolir-nos, mas decididamente (assim como eu) não pôde resistir à maciez que existe nos momentos roubados que tanto falamos.

Ao recordar o primeiro encontro com o rapaz ensolarado fiz questão em demorar-me falando sobre sua respiração. Era bem peculiar aquele ar que expirava de suas narinas. Era algo nervoso e não habitual. Como a respiração de alguém que brilha muito, mas que ainda não se acostumou com isso. Sua respiração incidia em mim como a luz refratada na água de um lago numa manhã de verão. Fenomenal. No sentido da palavra, a moça e o Sol. Quando terminei me dei conta de que suas mãos transpareciam um suor, nervoso. Como se a respiração solar daquele rapaz por meio de minhas palavras tivesse conseguido fazer Malone sentir calor. Algo que em minha opinião está unido à fome na irmandade dos sentidos.

Malone me mirava como se quisesse decifrar o enigma. Que era eu, afinal? O que eu significava em sua vida? Você me conta as histórias que eu um dia escrevi em mim. Então como era de costume perguntou-me se o rapaz do olhar de ouro era realmente real. Ele é dourado; tem o sol em suas mãos e caminha na horizontal. E sim, ele é mais uma das minhas invenções. Em tom de desafio pronunciei essa última palavra.

Notei que, em sua perspicaz observação, Malone retraiu-se e me olhou nos olhos como há muito não fazia. Desde a manhã em que nos conhecemos. E soubemos que tudo havia estado, até então, calmo demais. E aquele vento que costumávamos a ouvir durante a noite estava finalmente amanhecendo. O sol do rapaz o estava consumindo.


Início 05/07 – Fim 06/07.








Ao tal rapaz, quem nunca imaginaria ter encontrado com vida. E que intimamente me confessou que também gosta de escrever.

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