quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Sobre essa minha ausência

Malone tomava um banho. Podia sentir a água quente massageando seu cérebro e confundindo seus pensamentos e sonhos. Havia euforia circulando por seu corpo precocemente velho e danificado. Sob as cascatas imaginou-se lá: onde a vida entrelaça-se com a morte, justamente onde pode ser o que bem entender, onde o Mestre Rilke haverá encontrado sua fonte de inspiração, onde pode fugir e ser outro alguém...e apesar do barulho da rua, penetrou dentro de seus desejos mais íntimos e descobriu o vazio. Puro.
Era bem ali que ele gostaria de morar para sempre. No vazio, luzes entrechocam-se com seus olhos, refletem e secam o suor em suas roupas, (e sua pele é como a terra fertilizada pela chuva e pelos agentes da natureza que vão amadurecendo os frutos mais ricos servindo o elixir para os mais diversos seres) e onde seu coração reina soberano sobre seu cérebro.
Viu-se na caixa preta prisioneiro daquele desejo que o fazia tão homem e livre de si.
Onde, até mesmo a sua ausência fazia-se presente.
Inevitavelmente então, recordou-se de quando abandonou-se pela primeira vez, como um náufrago à deriva numa canoa de madeira em meio ao oceano. Não fazia idéia de que justo à sua frente encontraria o tal peregrino que lhe mostrou quantas voltas se é capaz de dar ao redor da Terra. E ele descobriu as viagens de trem para aquele lugar afastado da civilização, tão verde como a grama alta que enroscou meus pés com os teus, tão brancos, naquela nossa primeira dança sobre as águas. Me lembro que caminhávamos nós e Malone pela linha absoluta e abstrata do pensamento daquele velho e cansado homem que nos doava sua sabedoria da mesma forma como se doa pão aos famintos. Por dentro de si deparou-se com um portal. Aquele feitiço o levaria lá, bem no Limiar da vida, onde tudo o que um dia perdemos, tudo o que ausentamos voltará novamente a nos pertencer.
E, quanto a nós, a primeira coisa que nos retornará serão as tais tardes de brisa em que, calados contemplávamos flores e folhas, açúcares e fontes arquitetônicas em cima daquela bicicleta. Sim, daquela que nunca te vi montar mas que sempre desejei que chegasses até mim como se chegam os grandes guerreiros em seus cavalos e tu me sequestarias para muito além daqueles mares infinitamente verdes dos olhos teus. Onde me afoguei e morri, deixando para trás aquele beijo, aquele sal, para viver bem aqui acima do bem e do mal.
E onde Malone (con) segue ausente deles, de nós, de mim e até mesmo ausente dele mesmo.
01/12/2009 - 16/12/2009
01:06 AM - 15:37 PM
A Ludwig Von, por seu dia.

Um comentário:

  1. Permito não citar novamente aqui sobre o que voltaria a Malone. Ainda não posso contar-lhes com certeza. Ainda sigo no intento de que ele me conte um dia o que se perdeu.

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