sábado, 15 de maio de 2010

Afinal, outras dores sempre vêm.

Ele subia uma ladeira íngreme. Seu corpo cansado não tinha mais o que fazer senão render-se ao frio.

Malone o observava de longe e tentou aproximar-se. Gostaria de poder dizer-lhe sua oração e exclamar-lhe ainda que fora uma única e solitária vez que o amava. Ao ver aquele homem diante de si, Malone concluía muito a contragosto, que tudo o que havia sido conquistado fora vivido à custa de mentiras.

O homem, porém avistara logo à frente a oportunidade de escolher entre continuar subindo, doava as forças que ainda lhe sobravam para o rigoroso e precipitado inverno daquele Maio camuflado por entre os meses vazios que o separavam de seu primeiro encontro com Malone.

A vida que ele poderia ter se parecia ao silêncio de uma meiga e humilde mulher que caminha com os olhos baixos no meio de uma rua deserta (seu andar traduz a delicada maneira que convive com a constatação avassaladora de que cada passo seu consiste em uma escolha que é deixada para trás e que ela não tem absolutamente nenhuma forma de impedir isso) e traz consigo a melancolia da noite e o brilho da Lua refletido em seu cabelo comprido, moreno e solto por onde as mãos calejadas daquele homem poderiam pousar e ali permanecer, permitindo-se enfim recuperar a esperança perdida naquela mata verde, vista desde a janela antiga que eram os olhos dele.

Malone o seguia na expectativa de que ele a tocasse, a nova vida. Sussurrava palavras de amor, eu as podia ouvi-las de longe.

- Ande, corra e se liberte antes que ela murche. E eu a plantei para você, só para vocês. Não é mesmo, soeur? Ajude-me a impedi-lo de ir.

Talvez tenha sido a oração mais bela de Malone. E o pranto, tímido, escapava-lhe dos olhos. Como a garoa que caía sobre as cabeças daquele homem e daquela mulher que intimamente já se conheciam, mas que permaneciam muito longe um do outro. Ah! Quanto Malone desejava que fosse verdade.

Reparou então que o homem se encontrava a um único passo de ver o rosto da meiga mulher parada de costas para ele, a pouco mais que uns metros de reencontrar a genuína paz que só sentiu quando esteve cara a cara com as ondas do mar que o assinalavam como igual, enfim, a uma única sílaba que faltava para escutar a declaração de Malone.

E eu podia sentir a vibração dos três corpos em uníssono implorando pela salvação, na expectativa do milagre: um carro passou, um alarme soou, o semáforo sinalizou vermelho, um cão latiu e o homem, eterno viajante, contemplou-a com seu cabelo elevado pelo vento gélido e aquela vista era bela e distante. Com uma frágil determinação dobrou a esquina e foi-se embora pelo caminho mais fácil. No mesmo instante aquela vida, tão bela, triste, mas muito bela entornou seu olhar para o que já esperava encontrar e viu a rua vazia e a ladeira decadente povoada apenas por um Malone de joelhos extasiado pelo peso da leveza absoluta com que aquele homem havia decidido seu destino, consciente de que talvez não houvesse uma próxima vez. Quisera Malone também ter seguido um caminho menos árduo.

Pouco a pouco então, a mulher silenciosa e meiga iniciou sua descida, pois já não havia mais medo, uma vez que a escolha havia sido tomada. E seu andar ardia e queimava como o último adeus a quem se ama a beira duma ladeira íngreme.

Malone encontraria a vida novamente?





A Kandinsky, que tem me ajudado a colorir a vida.

2 comentários:

  1. en mi piso no tengo televisión. en su lugar protagonista, tengo la máquina de escribir con la que empecé a imaginar. ya no funciona. pero he dejado enrollado dentro "Composición VII". me gusta pensar que las teclas pueden tb pintar.

    el texto de Wilde me ha dejado en medio del descenso de un tobogán.

    tus textos cortos cambian.

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  2. sí, cambian.

    todo en este mundo cambia, que yo cambie no es extraño.

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