segunda-feira, 29 de junho de 2009

A história que o jardineiro me contou...

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

W.H Auden



Amanhã, você pensava. Só mais um dia. Essa era sua resposta para a pergunta inevitável.
Dentre as maiores surpresas que a vida lhe trouxe, perde-lo foi a mais seca e cortante. Exatamente como o vento que agora espanca a janela. Você pensava que tudo aquilo, aquele universo infinito, invisível de luzes que iluminavam a sua estrada jamais se apagariam.

Deveria existir algum tipo de lei contra esses estelionatários seres que vem na calada da noite em busca dos sentimentos dos alheios. Ou então algum tipo de aviso, alerta de que eles estão novamente por perto. Afinal leva-se muito tempo para entender e aceitar aquilo que se sente e não é justo com os pobres mortais.

Naquela noite você esperava, ansiava. Dilacerada de preocupação por aquele que havia sido nos últimos tempos seu norte. A razão de sua melodia. Quando finalmente escutou aquela voz familiar e o insistente e não sincero pedido de perdão soube que a intrigante ação do tempo congelava seu instinto. Por tantas vezes ferido. E ao despertar do último décimo terceiro dia da primavera algo estava desesperadamente evidenciando o crime.

Nossas coisas roubadas são os que nos definem, disse.

Você havia se enganado durante muito tempo. Um longo tempo. Como um fiel que adora seu santo, desprendeu horas inventadas e infinitas ao pé do altar. Lembrava-se das longas e eternas tardes e qualquer estação (ainda que sua melhor alegria fosse te - lo no inverno) do ano em que estiveram ali tão próximos do céu.

Aquele idioma inventado por vocês era a bandeira da grande pátria que foram os bons momentos e os bons vinhos compartilhados.

Moravam um no outro. Vestiam a mesma roupa. Completavam-se como areia e mar. Eram só os dois e o cantor de estrelas.

Por hoje é só, ma soeur. Já ouvi o suficiente. Não permito que me contes mais nada sobre isso.
Malone me olhava de uma forma intrigante. Não sabia se queria ou não que continuasse, seu olhar era distante. Quanto eu sempre invejei tudo aquilo que Malone via quando me olhava daquela forma. Sabia que no fundo não era para mim que estava olhando mas para dentro de si mesmo. Quanto eu poderia fazer se um dia pudesse desvendar-lhe!

A contínua sinfonia que exalava de seu corpo inteiro quando já cansado de falar sentava-se na velha poltrona e por uma fração de segundo eu tinha a certeza de que suas mãos me chamavam para que se sentasse a seu lado. Sua voz era tão suave e baixa que eu era obrigada a me aproximar para escutar frases que traduziam tudo o que eu estava sentindo. Algumas historias devem parar exatamente no momento em que as tocamos. E quando pronunciou a palavra tocar, certamente Malone tocou algo em seu campo de visão individual.

Me disse que conforme me ouvia poderia tocar aquele sentimento sobre o qual eu sentia falta. Tocaria essa falta incômoda. Sentia a textura daquela sensação que outrora fora tão latente. E que dentro de si era capaz de compartilhar de minha agonia. Como um anjo que vê de longe os humanos e sabe que jamais saciará seu desejo por tocá-los. Foi assim que Malone se sentiu quando lhe contei mais uma de minhas historias. Ele sabia que nunca a tocaria.

E eu, bem, eu sabia que aquele amor roubado inocentaria quem quer que fosse seu ladrão.

Como a beleza de um diamante que, quando contemplada, justifica qualquer crime.
A ela , para que ela nunca pare de cantar.

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