quarta-feira, 15 de setembro de 2010

E o melhor foi que choveu....

Não vá, disse-me Malone observando as nuvens escuras que se formavam no céu naquele início de tarde.

Naquele dia eu acordei muito cedo e me preparei para rever tudo aquilo que havia sido o mundo. O meu primeiro mundo, que mais parecia a Lua, era muito branco e tinha pernas longas.

Escolhi o que tinha de mais simples para vestir e não pintei a cara. E apesar do alerta de Malone eu abri a porta da Torre de Marfim e abandonei-o ignorando seu costumeiro olhar de reprovação. Que dessa vez vinha acompanhado de certo e inédito toque de medo. Você sabe que vai chover. Por favor, chega de se molhar, soeur.

Cheguei lá a avistei de longe o anel com sua pedra. Brilhava mais do que o sol. O mundo usava-o em suas mãos que hoje já não me tocam mais. Aquele anel que eu lhe dei caminha por entre os dedos do mundo e o levam cada vez mais para longe de mim. Agora, as mãos do mundo tocam instrumentos de corda e de música que animam e maravilham a toda gente simples que o habita.

O meu mundo cresceu.

E, de repente, eu fui feliz. Feliz de ver o mundo tão de perto e povoado de alegria e paz; me orgulhei daquele mundo que eu ajudei a construir. Mesmo que hoje ele já não faça mais parte da minha alegria cotidiana.

Pensei então em Malone e na Torre, o melhor seria voltar e fazer-lhe companhia. Mas antes que eu pudesse juntar minhas emoções dilaceradas o mundo decidiu fazer chover. Como tantas vezes o fez naqueles tempos. Ah! Quanto medo eu tinha então da chuva. E então, ao som molhado daquelas gotas eu toquei-o, da mesma maneira que toco meu irmão: com olhar. E por um único e invisível segundo eu pensei ter sentido que o mundo me tivesse sussurrado seu segredo. E eu só queria que soubesse que eu o escutei. Talvez um pouco tarde, mas hoje eu compreendo e vivo mais tranqüila e não estou chorando. Me desculpe a demora, mundo. E isso tudo me faz pensar que o mundo, bem, continua o mesmo e quem cresceu fui eu.

Retornei a casa vestida de chuva do mundo e feliz, feliz por ter-lhe escutado a melodia e dançado sua ciranda. Malone viu-me despir e deitar-me na cama ainda molhada. Esquadrinhou cada parte de meu corpo como fazia Dalí com Gala. E a dizer pela textura de seu olhar cheio de mágoa ele compreendeu que seria eternamente impossível competir com o Mundo. Com meu outro mundo, aquele que Malone ainda se recusa a conhecer. E nada mais lhe resta senão observar a chuva. Essa filha do tal mundo desconhecido que um dia Malone decidira abandonar.

Eu me recolho ao sono e ao fechar os olhos a luz ofuscante daquele anel (que um dia fora meu) clareia a minha companheira e terna noite.

Hoje dormirei embalada pelo som daquela antiga melodia que eu escrevi para o mundo, mas que ele já não escuta mais. E eu apenas desejo que ele siga equilibrando-se sobre suas pernas longas, o mundo, que mal sabe o quanto estou em paz. E que lhe sorrio cada vez que me sorri.

Boa noite. Meu mundo me espera.

Novembro / 2009



Em homenagem aos tempos de paz!

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