sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Sobre ser (ainda) sempre aqui

Ele me prepara um café quente. É de manhã. Frio. A figura parada de costas para mim veste um casaco cinza que me confunde. Há um pequeno inseto pousado bem no meio de suas costas. A porta está aberta:

-Você deveria ir.
-Eu ficarei aqui.
- Havia o mundo e eu fiz minha escolha
- Ainda há o mundo e eu sempre quero ouvir tuas palavras.
- Suas pálpebras se moveram durante toda a noite. Há muitos anos que não sonho.

Aproximei-me e observei-lhe as mãos. Dedos um pouco maiores que os meus, nem finos nem grossos, bem desenhados. Mãos de pianista...

- As xícaras estão dentro do armário. Azul pra você e a branca para mim.
Sentei-me diante dele, a mesa é circular. O gosto do café permaneceu por várias horas em minha boca.

Ele levantou-se abruptamente, como se recordasse algo que há muito havia esquecido. Ele caminha até um armário antigo, manchado de verde escuro. Retira uma aquarela que, se não fosse pelas manchas recentes de tinta eu diria que jamais estivera ali.

Fechou as cortinas, conduziu-me até a sala, acomodou-se na cadeira mais próxima e com aqueles olhos de chuva sutilmente ordenou-me:

- Tire a roupa. Vou desenhar em seu corpo a história que tanto quer ouvir.

Fitei-o por um longo instante. Cada peça era uma parte de mim que ia deixando para trás. Ele manteve o olhar em mim e, mesmo sem o ver, era como se já fosse um velho conhecido de meu corpo. Eu não tive vergonha, pois sabia que isso aconteceria de qualquer maneira.

Acomodei-me.

E com um olhar que regeu o vento fresco até nós, meu irmão anunciou a chegada cinza e madrugada da estação mais bela...

Malone ligou uma luz e em minha pele começou a misturar as cores.






A Manoel, Manoel, Manoel, Manoel e a Manoel. Ternura!

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